terça-feira, abril 19, 2011

Os dias em que eu ajoelhava, e não era para rezar (e não que não tem sacanagem)

"No Domingo de Ramos, lava os teus panos porque na Páscoa da Ressurreição os lavarás ou não". Não se deve, pois, contrariar a sabedoria popular, ainda que a discussão sobre a alternativa"lavarás ou não" dê pano para mangas. Ou uma coisa, ou outra. Fifty-Fifty. 

Mas o que a minha avó realmente quis com isto dizer, hoje ao almoço, recordando o adágio popular, muito apropriado para a época, olhando lá para fora, vendo a chuva copiosa a regar o jardim e gotejar no vidro, foi que se não os tivesse lavado no Domingo de Ramos, esta semana estaria bem tramada para que secassem. 

Logo depois, o meu irmão soltou um "ah agora entendi" pois a mãe tem andado em azáfama diligente desde há duas semanas, lavando cortinados, carpetes e alcatifas como se não houvesse amanhã, ou encenando, quem sabe, um novo episódio de "Donas de Casa Desesperadas". 

Surge isto e lembro-me, lindamente, das duas semanas que antecediam a Páscoa há uns tempos. Ora, eram semanas em que eu, pré-adolescente, ajoelhava no taco, de pano nos joelhos, qual dona de casa incauta, penitenciando todos os pecados do ano, e rogando pragas à Páscoa, a um deus que nenhuma compaixão por mim não tinha, ali ajoelhada em labor caseiro.

Pois, anualmente, esta era a época de encerar e polir o taco de casa dos meus pais, no 3º andar, numa já longe pré-adolescência, parece. Primeiro tirava-se alcatifas e carpetes. Aspirava-se, lavava-se o taco com água e sabão, deixava-se secar e então é que começava o martírio. 

Lá punha eu pano no chão para os joelhos, que horas depois haveriam de ficar autênticas nódoas negras (fiz batota e usei, certa vez, as joelheiras do voleibol), mais roxinhas que o pano da Paixão de Cristo, que por estes dias há-de adornar as igrejas mais tradicionais com chancela Católica Apostólica Romana. Aquilo dava, ainda, músculo nos braços e eu ficava, ao fim do dia, toda partidinha. 

O pano melava-se de cera âmbar e pastosa (as mãos ficavam sebosas, por isso o melhor era usar luvas), que havia em latas que sobrasse na dispensa da casa, e o cheiro ia-se entranhando à medida que o unto se agarrava à madeira do taco, depois que eu, em gestos circulares e firmes, passava pelo chão. 

Horas depois e a missão estava quase cumprida e eu, em vez de catárse feita pelo cansaço, ainda bufava de raiva por não estar na rua a aproveitar as férias da Páscoa, a andar de bicicleta, ou até mesmo, quem sabe, a brincar ao bate pé (eu sei que este post não ia ter sacanagem, mas escapou-se-me) e outras amenidades que a pré-adolescência sempre acarreta (e logo eu, a chata, que não passava do passou-bem)...

Depois, o dia seguinte iria ser um desafio para a lei do ruúdo, mas já era a tarefa que eu preferia, embora nunca a mim me calhasse: a enceradora terminava o serviço, deixando o taco num brinquinho.

Hoje em dia, os meus pais mudaram de casa e descobriram o verniz, embora a minha mãe diga que não é a mesma coisa. No entanto, parece-me muito apropriado e conveniente que tenha sido o verniz que me tenha salvo os joelhos, nos últimos anos.


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