domingo, outubro 27, 2013

Até Playboy tem cura

 Já tive propensão para ser confidente dos meus amigos infiéis, o que me deixava, sempre, numa situação complicada. Acho que a razão principal para que eles me olhassem como confessionário silencioso é porque acabava descobrindo, sem grandes alardes, apenas em pequenos gestos. Eles percebiam.
Moral da história: acabava ouvindo, tal qual uma Freud que não tecia grandes observações, a não ser lançar, no final da consulta, aquele olhar “a consciência é tua, mas nunca me peças para mentir”. 

A certa altura cheguei a pensar que seria prática comum no sexo masculino, por muito amor que ele tivesse à Maria, Solange, Eleonora, Sofia, sei lá agora enumerar o nome delas. Ou seria apenas uma fase. É, devia ser uma fase, afinal haverá recônditas motivações para a consumação de um flirt às escondidas.

A situação mais caricata de que me recordo foi a de X.

Estávamos no Brasil. Ele, rapaz bem-parecido com cara de Dom Juan, el conquistador hermoso, seu jeito sedutor-malandro-tugo-latino-menino-a-precisar-de-colo e retórica bem apessoada, resolveu que ter uma namorada não era, afinal, suficiente. Bom, não eram bem namoradas, não sei bem como dizer... talvez, sei lá, amigas especiais?

X. deixara uma amiga especial em terras lusas, arranjara uma outra em São Paulo e como não estivesse satisfeito, outra noutra cidade, a 10 horas de distância de autocarro de São Paulo. O que é certo é que durante a semana, por vezes, ele ainda ia falando com a miúda de Lisboa, enquanto saía com a paulistana. 

Ao fim de semana, sem falhar um autocarro que fosse, zarpava para outro estado. Chegava às segundas de madrugada e, pontualmente, apresentava-se ao serviço. Há quem chame a este comportamento sociopatia. Eu chamar-lhe-ia frugalidade; e não sei como o rapaz não teve um esgotamento. 

Acho que elas nunca chegaram a descobrir, nunca ninguém se atreveu a contar, mas recordo que uma delas chegou a persegui-lo e a ameaçar encontrá-lo em Portugal, porque não podia viver sem ele. Um ano depois, X. saiu, novamente, do país. Apaixonou-se por uma mulher bem mais velha e mantinha um amante mais nova. Até que tudo acabou. 

Há um mês casou-se, depois de dois anos de namoro. Ao que tudo indica continua arrebatadamente apaixonado e fiel. É, se calhar, há esperança para os Playboys.

Notas soltas e outras viagens

 Às vezes o Firefox deixa de funcionar e a minha escrita torna-se mais lenta. É quando mais me apetece viajar, mas acabo sempre por tornar-me diletante de leituras. Ponho um Vinicius para tocar no leitor de vinil, leio o conto erótico que a Juliana Frank publicou hoje na Ilustríssima, e desisto a meio, espero pelas crónicas do António Prata, e recordo-me que há muito que não leio Vila-Matas. Procuro o mesmo nas leituras: constatar que a escrita humaniza-nos um bocado mais. Não, esperem. Perceber que a escrita imortaliza-nos um pedaço, que nos faz viver um pouco mais além, assim resilientes, obras imortais com direito a Wikipedia. Não sei se quero isso. Isso e ler livros dedicados a mulheres, com cartas dengosas e melodramáticas. Um enjoo, ou apenas um laivo de inveja. 
O campeonato de ténis está quase a acabar, na televisão, o pai joga xadrez,  o avô já não lê, mas tem bulas como literaturas; escrevo análises textuais contra o tempo que não me apetece escrever, bibliografias, enquadramentos teóricos, e como seria bom viver sem relógios, nem dobras de tempo. Será como fazer aviões de papel? Um dia após o outro, uma página após outra página. Cheguei ao fim do livro da Vanessa. Não o meu, o da Bárbara. As Noites de Alface, leitura leve, com humor de couve-flor, bulas e pó de baratas medicinais. Leve, pode ser levado para a praia, mas aquele fim que não me convenceu, Vanessa. Sei lá, falta-lhe algo e o vazio é gente sem história. Talvez devesse voltar e escrever cartas, postais. Talvez devesse voltar a viajar. Sim, preciso voltar a viajar. Não sou eu, é o outro, Kapuscinski!
O Ricardo quer que vá a Bruxelas, ela à Holanda; deveria era ir por aí, entre viagens na minha terra a Cabeça, Coração, Estômago. Tens razão Lu, deveria ler o livro, logo me enfado. Preciso logo começar as Miniaturas da Andréa, ou aventurar-me no grande Sertão Veredas de uma vez. Mais um vinil, Paulinho da Viola. Continuo com a predileção de pôr MPB no tocador de bolacha. É isso ela tem de voltar a viajar.

sábado, outubro 26, 2013

A teia de Ofélia


Durante o mês que Lis passou no Brasil não poderia imaginar que o seu quarto - caverna que, além da mobília, é povoada por livros novos e usados, revistas culturais, vinis, outras coisas inúteis, pó e, muito certamente, por seres microscópicos e invisíveis -, fora ocupado. Ela tentou expulsar a intrusa. Agarrou, subtil e silenciosamente, numa folha em branco, soergueu a patuda, equilibrando a tagmata aracnídea e zás: atirou-a pela janela. Achou que se tinha livrado da invasora.  
No dia seguinte, reconheceu o falhanço. A okupa voltara decidida a reivindicar o que considerava seu, por presumível abandono do espaço da proprietária legítima por 30 dias. Como engenheira-arquiteta competente tecera já a teia numa das estantes. Lis traçou mil e uma estratégias para o despejo, mas dona aranha mostrou-se resoluta a não arredar pata. A caçadora de histórias pensou: “cometeria um crime?” Mas não tinha mordomo-bode-expiatório. “Causaria ferimentos ligeiros? Suspeitariam, indubitavelmente, das suas capacidades facínoras. Lis perseguiu o aracnídeo entre prateleiras, tacos levantados, tinta enrugada, baús, debaixo da cama, ao redor de candeeiros e malas, qual funâmbula em vertigem. A rainha inabalável pôs-se em fuga, fintando livros há muito ali inquilinos. Primeiro, entre J. Rodrigues Miguéis, F. de Castro, A. Ribeiro, J. Saramago, saltando de lombada em lombada com destreza e intimidade de velhos amigos. Depois entre P. Auster, R. Kapuscinski, T. Wolfe, E. V. Matas e R. Bolaño. O golpe final - com certeza para fazer pouco de Lis, podemos adivinhar-lhe o risinho trocista- , foi alojar-se entre “O grande Sertão Veredas” de J. Guimarães Rosa e “A Grande Arte” de R. Fonseca. Toda esta perseguição levou Lis a concluir: “As aranhas são seres eruditos”. Batizou-a de Ofélia. Parecem viver felizes.

Crónica de Vanessa Rodrigues publicada a 25 de Outubro no Semanário Grande Porto, página Bairro dos Livros, iniciativa da editora CulturePrint, em alternância semanal com Jorge Palinhos, Rui Lage, Rui Manuel Amaral.

quinta-feira, outubro 24, 2013

À Procura dos meus personagens#1 (Algumas notas sobre um breve Brasil)

 

1. Três anos fora do Brasil é viver como mergulhador sem oxigénio. A coisa pode dar para o torto e sofrermos de uma doença descompressiva. Mas eu aguentei-me à bronca, mergulhei várias vezes em apneia, por instantes e fui capaz de voltar à tona sem grandes mazelas. Correu bem e nada acontece por acaso, como nadar da direção errada. A viagem ganhei-a por causa de outra viagem em 2012. Um passo atrás para dar outro à frente, eventualmente. Foi uma oferta de uma boa amiga que quis presentear-me e ao A. pelo nosso trabalho. Foi há um ano e este foi o ano possível de um Brasil. Eu fui primeiro. A. foi depois.

Como todas as viagens, regressar ao Brasil está cheio de peripécias que podem pôr em causa a teoria de que nada acontece por acaso. Por exemplo, não entendo por que razão fiquei doente durante uma semana com um vírus qualquer. Seria, enfim, um presente de boas-vindas irónico, uma quase vingança de São Paulo: “Estiveste este tempo todo sem cá vir, agora toma que bem mereces ficar de castigo”. “Pô, Sampa”, penso, “assim desfrutei um pouco menos de você.” Ela lá se terá arrependido e ao quinto dia deu-me trégua, mas nem tanto.

2. Eu vou ao Brasil à procura dos meus personagens. É que os meus personagens só podem ser brasileiros. Não há outro lugar onde tenha mulher que passeia com carrinho de bebé com um cão lá enfiado; ou vendedores de picolé, homens que fazem dragões tão perfeitos que parecem de verdade; Clube de Leitura da Prosa na Baratos da Ribeiro, com um dono antipático que vende clássicos da literatura brasileira a 3,5 reais e depois oferece CD's da nova música brasileira à estrangeira; picanha no Cantinho do Leblon, Original. Ocorre-me que não fui ao BH, ao MAM, ao Ibirapuera. Enfim, há uma série de coisas que ficam para fazer quando se tem apenas um mês no Brasil.

Panta

Gosto de boas notícias por isso, cá vai! Panta: Nova revista de arte urbana editada em Portugal

"Há uma nova revista dedicada ao mundo da arte urbana (e não só). A empresa portuguesa Book a Street Artist, dedicada ao agenciamento de artistas de rua, acaba de lançar, este mês, a Panta, uma publicação trimestral online que no seu primeiro número dá destaque a artistas nacionais.

Uma reportagem sobre a Pensão Rosinha, uma entrevista com fotoreportagem à banda Os Compota, uma coleção de retratos de artistas de rua portugueses e uma reportagem sobre a arte urbana de Beirute (Líbano) são alguns dos conteúdos que o primeiro

Segundo explicam os mentores do projeto ao Boas Notícias, o objetivo da Panta é lançar "reposicionar e dar um novo valor à 'street art' promovendo o trabalho de artistas talentosos e ajudando a levar a sua mensagem ao grande público".

Reprodução do site Boas Notícias. Notícia de 22 de Outubro 2013 

quarta-feira, outubro 23, 2013

Um problema crónico

Eu tenho um problema. Bom, talvez tenha vários, mas aquele de que tenho certeza e contra o qual me debato, diariamente, tem sobressaído mais do que habitual. O meu problema poderá, certamente, ser explicado por um qualquer analista especializado em psicologia pós-moderna, todavia ainda não aconteceu de nos conhecermos e parece longe esse acontecido a acontecer. Talvez pudesse resultar numa relação de onde pudessem brotar vários frutos. Ele analisando-me; e eu tomando notas para aproveitar o testemunho para um texto.

Vejamos: o meu problema é bem básico, digamos, convencional, e tenho exercitado vários esquemas, planos e estratégias para fintar a questão. Diagnóstico: tenho um problema crónico com prazos, hierarquias, rotinas e pêlo de gato. O último não deveria fazer parte da lista, mas com a idade noto que a coisa piora. Quanto aos primeiros, que incluo como fenómeno social total da minha existência num problema único a que apelido de “temporalidade da existência do aqui-e-agora”, devo admitir que piorou, consideravelmente, nos últimos dois anos. 

Eu explico, porque a questão é bem mais profunda: continuo a deixar as coisas que não gosto de fazer para o último momento; detesto ter de fazer a mesma coisa todos os dias, bem como ter hábitos semanais, começo a ter insónias e comichões, não lido bem quando tentam mandar em mim. O que acontece quando sou abduzida por ter de fazer algo de que não gosto é que acabo por me entusiasmar a querer fazer outras coisas há muito adiadas que de enfadonhas passam a coisas espetaculares. 

Disperso, eu sei que disperso, em querer fazer tudo, talvez, menos aquilo que caiu no prato do prazo limite. Aquela coisa do-que-tem-que-ser-tem-muita-força é tudo mentira, não é nada assim, quem o inventou como máxima deveria andar a tomar uns chás engraçados. Aquilo que não tem que ser é que tem muita força, pelo menos para o clube dos indisciplinados como eu. 

Eu bem que queria acordar às seis da manhã, correr, comer o pequeno-almoço super saudável cheio de vitaminas, ler muito e escrever logo de manhã, parar para almoçar, cochilar, diligentemente cumprir mais um trabalho mesmo que não queira e seja enfadonho, tal qual palavras cruzadas na sala de espera do médico, jantar à mesma hora, ler de novo e dormir cedo. Mas enfim, há 32 anos que não dá certo. Não sei se dará alguma vez. Talvez seja abduzida um dia por extra-terrestres em sonhos que reprogramem a máquina. 

P.S. É tudo mentira, isto é uma ficção, qualquer semelhança com alguma história que conheçam é pura coincidência, heim!

Oh Kubrick, my Kubrick


António e a Gaivota

Era uma tempestade de areia. Ou o vento que levantava a areia. A cortina que se levantou na praia fazia com que esses fios grãos doessem. Eram agulhas que queria penetrar a pele. Fechei os olhos e, de mão dada, atravessamos a cortina, ou aquela nuvem oblíqua. Talvez mais além, protegidos nas rochas, a ferocidade do vento, meio quente, meio frio, tecido morno sobre a tarde, acalmasse e nos deixasse escorrer nos rochedos como lagartos à procura de vitamina E, ou tal qual plantas regenerando-se em fotossíntese. 

Fomos. 

Eu subi primeiro, passei a corda que, evidentemente, queria dizer não trespassar, mas se outros casais se recolhiam, depois dela, nas reentrâncias dos rochedos, a ver as ilhas, e o mar, e os barcos, e as gaivotas, o que nos impediria?

António disse que iria continuar a explorar. Eu quedei-me, deitei-me feliz por estar recolhida do vento e das agulhas da areia. Ali o corredor da ventania não chegava. Deitei-me na inclinação da rocha dura, procurando que ela seguisse a espinha e não me magoasse. 

Fechei os olhos. 

Ouvia-se o embalo do fim de tarde de uma praia calma. Ninguém falava. As gaivotas grasnavam. O António voltou. Pediu água. Encontrou uma gaivota ferida agarrada a uma corda. Talvez fosse de uma rede de pescador. Talvez fosse do lixo que o mar tem. Talvez fosse maldade do homem. O importante era libertá-la, dar-lhe água, talvez a esperança da vida que ela não sabe se tem. Estava desistente. Ele levou a água e a esperança dentro dele. Um alento de que aquele gesto a salvasse. Tirou-lhe a corda à volta do pescoço, viu a ferida, percebeu-a débil, tentou chamar os homens da Marinha que o mandavam sair das rochas por ser perigoso. Tentou falar-lhes da gaivota, da ferida, da esperança de que ela vivesse, afinal, depois de lhe dar um pouco de água ela mudara do silêncio para um grasnar defensivo. Quem sabe não lhe agradecesse esse novo alento. 

António não podia fazer nada mais a não ser mais um pouco de água para a gaivota, voltar e obedecer à ordem da Marinha e sair dos rochedos. Voltou, desalentado, um pouco revoltado porque as autoridades não atenderam ao chamado para salvar uma gaivota. Fez o que pôde.

António não gosta de gaivotas, bem o sei, mas não foi por isso que a abandonou e insistiu que respirasse na esperança de a salvar.

sexta-feira, outubro 11, 2013

Cenas de crónicas não escritas


Se apontar uma vida passada, com todo o respeito pelo autor, teria sido um João do Rio, que deambula pela etnografia carioca, levantando o pó dos livros, desdobrando as badanas das vidas secretas, dissecando os humores e os pensamentos mais psicanalíticos dos personagens que ouviu, sentiu, observou, conviveu e intuiu. 
O Rio-cidade tem esta geografia de personagens peculiares, de homens que fazem dragões que parecem tão reais quanto as minhas mãos e os passeiam pela Lapa às onze da noite. O Rio-cronista tem a personalidade de um curioso analista, antropólogo, jornalista, que se funde, por vezes, com os personagens da suas histórias. Há algo mágico na capacidade de transpor a realidade carioca, que parece tão ficcionada, inverosímil para um pedaço de papel, virtual, ou na tradução de um apontamento mental. Levo o caderno cheio de notas, notas de cenas para crónicas que nunca escreverei e outras que num ato de auto-disciplina me policiarei para imortalizar. Nesse caso, terei de voltar a João do Rio, como expiação de uma penitência em falta.

terça-feira, outubro 08, 2013

"O Barulho do Tempo" no Brasil

Hoje, no Rio de Janeiro, haverá leituras no sebo Baratos Ribeiro de "O Barulho do Tempo", às 20h, e quinta-feira, 10, 18h, apresentação na Livraria da Travessa, na Sete de Setembro. Saravá! Venham que festa não faltará! Evento Público: ver detalhes.