segunda-feira, janeiro 31, 2011

Educação Inglesa, these days!



Uma das coisas que mais me marcou na educação de Carlos da Maia, personagem principal da grande obra de Eça de Queirós, "Os Maias", foi, sem dúvida, o banho. Compadecia-me com a gélida obrigação matutina do rapaz, entregue aos cuidados do avô, Afonso da Maia, para enfrentar o jorro de água fria.

O jovem Carlos habituou o corpo ao choque térmico, recebendo o líquido da purificação dérmica como verdadeiro espartano. (Embora a água, sabemos, é sempre demasiado superficial para qualquer limpeza, já que as gotículas, maiores que os poros, são incapazes de penetrar na pele como deve ser, por isso limpar, como deve ser).

Imagino, no entanto, as pragas que o rapaz não terá jogado ao avô, ou os subterfúgios que terá encontrado para enfrentar a crueldade de um banho gelado, em manhãs antárctidas que podem ser as da boa e velha invernia portuguesa. Conforme conta Eça, Carlos, mais tarde, tornou-se exemplo do jovem burguês da época, e invejado diletante bacharel em advocacia, amante das mulheres e bon vivant q.b.

Talvez virtudes que começaram com um bom banho de água gelada. Pois bem, também eu, toda a semana passada, tive direito a essa rígida educação inglesa: inevitável. Tudo começou em casa dos meus pais no dia em que viajaria para Lisboa: o gás acabara e, com ele, a água quente para me fazer esquecer por minutos que o Inverno brincava com o termómetro lá fora. A água fria jorrou pelo corpo e eu esforcei-me por pensar que aquilo, o jacto gélido e cruel, era melhor que colagéneo para renovar a pele tenra dos 30.

No dia seguinte, já em casa de N., em Lisboa, enviado ao Porto, por isso, no sentido oposto ao meu, esquecera-se de pagar a conta do gás. Adivinha-se, pois, a contínua e intensa educação inglesa a que tive direito, durante 5 dias. Porém, ao contrário de Carlos da Maia, não consegui ainda encontrar as virtudes de tamanho castigo, tendo em conta que o fim da semana me trouxe de presente uma espécie de intoxicação alimentar que me atirou para uma estúpida e inevitável debilidade que só pede lençóis e almofada. Não que a água gelada tenha alguma coisa a ver com isto que se segue, mas não deixo de culpar os ingleses pela dupla irónica sina tradicional, no espaço de uma semana: estou, inevitavelmente, pela minha saúde, a praticamente english tea these days. Peço, por isso, clemência à rainha de Inglaterra! (Que é como quem acena a bandeira branca!)

sábado, janeiro 22, 2011

Lógica de duas palavras, uma interrogação, pontuação e entoação certas, ou verdade que isto sabe bem é com salmão fumado

- Queres queijo, cabra?

Jeitinho brasileiro (1)

  • Se a gente pegar um táxi até o bar, fica mais fácil. A gente sai da Lapa, pega o Aterro, e antes da entrada da Urca é clube.
    -Beleza, vamo!
    Saltam para a rua, muvuca de começo de festa, caipirinhas rodam nas mãos, cachorros-quentes; carros amarelos à espera de aquecer o banco e rechear a bolsa.
    -Amigão, a gente vai seguir para o clube.


    Bandeirada a $ 4, 50. Quatro num carro. Conversas paralelas, calor, aragem. Saída da Lapa e pé na tábua para o clube. Festa do amigo-do-amigo-do-amigo, bem bacana, som maneiro, porque o DJ é “bem legal”, está na moda, numa espécie de “revival” de anos 80 e 90. É: na moda estão as décadas de 80 e 90 do século XX. Penteados, legging, blusas compridas axadrezadas, vermelhos e azuis-vivos. Maquilhagem garrida. Beleza. Com entrada a 20 real.


    -Vocês vão lá na Pizzaria Guanabara?
    -Que nada moço! Na Baía Guanabara, tá ligado? É, você tá com fome para querer ir na Pizzaria Guanabara! (risos alarves)
    -Caraca! Sabe que é verdade, mesmo! Não como faz tempo e ainda falta para terminar o expediente.-
    - Olha só, tenho aqui uma paçoquinha, mas é diet: aceita?
    -Com a fome que eu tô, pode ser qualquer coisa. Tem?


    Um minuto depois da saída da Lapa, da fome do taxista, das dissertações vagas e diáfanas o taxímetro estava quase nos 15 reais. Não pode ser. Olhei. Fiz sinal para trás (tenho o hábito de me sentar do lado do motorista, quando há gente para aquecer os bancos de trás: digamos que é uma espécie de autismo solidário, esse de meter conversa taxistas  para ficar ligada no movimento – se fizessem um estudo para fins jornalísticos iríamos concluir que, depois dos donos de café, e das senhoras do bairro, os taxistas são as melhores fontes de informação). Flashback: Olhei para os três atrás e falei.


    -Cara, seu taxímetro tá louco. Passou rápido para os 15 reais. A gente nem sequer chegou no Aterro. E não costuma pagar mais do que 20 reais até à Baía de Guanabara. Por essa lógica, vamos chegar nos 40 reais para corrida final. Seu taxímetro tá zoado e você vai ter que resolver. A gente não vai pagar isso tudo! Nem a pau!
    -Ih, sério? É mesmo. Caraca! Será que deu um “pau” qualquer na máquina? É que esse táxi é de um primo meu. Eu faço uns bicos de vez em quando, e esse final de semana foi minha vez. E pior é que só segunda-feira é que dá para resolver. E eu não posso ficar o tempo todo sem trabalhar. Será que se eu desligar ele volta a funcionar?
    -Amigão, não engana não. A gente sabe como funciona. A galera dá uma zoada no circuito do taxímetro e, ou quando você acelera, aciona o mecanismo; ou você tem um negócio no volante para accionar ele. Cara, tem de ficar ligado. A gente pode denunciar você.
    -Que nada, cara. Viatura não é minha. É a primeira vez que isso está acontecendo. Eu nem sei do que você tá falando.


    30 reais a piscar certos no taxímetro e os dígitos a rodarem acelerados no painel.


    -Cara, vai ter de fazer desconto nessa máquina aí e pagar o preço justo. Te damos 20 reais. Tá ligado?
    -Beleza. Desculpa aí. Não tô ligado no negócio. Vai ver que eu queria ir mesmo era nesse tal de Antiquarus. Coisa cara. Coisa de português!


    Fim de linha. Fim de rua.

quarta-feira, janeiro 19, 2011

um mundo, espreito, novo...há quem tenha fome no olhar

Também um dia já fui uma steampunk, ou, quem sabe, talvez isso explique muita coisa

Movida a vapor, portanto. Entusiasta das grandes loucuras tecnológicas num tempo antes do tempo, num universo soturno, onde a penumbra era sinónimo de entrada para uma outra dimensão, quando o vapor começava a dar os primeiros bafos. Mas fui-o na literatura, com uma pitada de curtos-circuitos que queriam simular os órgãos vitais e as nossas entranhas. 

Apercebo-me, agora, de um padrão no fascínio literário que recheou as minhas tardes do passado, enquanto as hormonas ainda estavam adormecidas para me dar outras razões para sair de casa. Esse padrão chama-se, tiniu aqui dentro da máquina cerebral, "steampunker": um género de literatura do século XIX que mistura avanço tecnológico com improbabilidade - e mesmo terror, como no caso de o "Frankenstein" de Mary Shelley. 

Lembro-me, sobretudo, desse imaginário que sorvia da literatura: os metais, o aço, os balões de ar, os parafusos, muitos parafusos (eu só via parafusos), de roupa escura esfiapada, dos espartilhos delas (sempre gostei de espartilhos, gosto que até hoje não se foi, mas olhando para o armário sai-me um suspiro de desilusão: nunca tive um espartilho), dos fatos deles... 

Então, eis que me apercebi que nessa época, a de quando a depilação ainda nem sequer era coisa do meu vocabulário de género, eu lia Frankenstein de Mary Shelley, sugava Júlio Verne, e mais timidamente Edgar Allan Poe. Se me esqueci, hereticamente, de algum, eis agora a minha penitência: moratória, por favor, para vasculhar as estantes; pena atenuada porque sempre fui uma iniciante, sem ambição ou ciente do que significava lê-los.  

Foi, todavia, por eles, e porque as estantes de casa sempre foram abundantes em lombadas diferentes,  que acabei por ler, também, com atenção "Os mil e um fantasmas" de Alexandre Dumas. Depois, tornei-me leitora assídua de Robin Cook. Podia ter, por isso, tropeçado nos policiais: em Poirot e Sherlock Holmes que sempre foram os preferidos da mãe. Devorou-os um a um. Até hoje, se for preciso e a vontade assim o quiser, ela volta a eles.

Um livro leva ao outro, sabemos, e aprendi, nesse sentido, a intercalar esse tal de "steampunk" com Dostoiévski, Stendhal, Goethe, Tolstoi, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Eça de Queirós, António Aleixo, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Cesário Verde, Camilo Castelo Branco, Miguel Torga, Almeida Garret, Bocage, Cesariny, O'Neill, Florbela Espanca, José Cardoso Pires,... etcetera. Nos últimos cinco anos aprendi a incluir mais o Brasil nesta voracidade pela prosa. Foi uma espécie de paixão bem sucedida. Tornou-se um caso de amor. Ocorre-me, no entanto, que o tempo nunca será suficiente para ler tudo aquilo que gostaria, num desejo que me acomete todos os dias: o de que deveria ler mais e mais e que, talvez, quem sabe tenha perdido algum para os grãos da ampulheta ao ter sido uma steampunker. Ou talvez não. E tenham sido eles que me levaram à voracidade da literatura. Talvez isso explique muita coisa!

segunda-feira, janeiro 17, 2011

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Meia vida interrompida

Paralisia facial. A cara estremece primeiro. O olho esquerdo falha. Perda momentânea de sentidos. O que está a acontecer? Pânico. O pânico nunca ajudou ninguém. Estremece de novo e estou no consultório. Pura sorte ou rasgo de agoiro. Só podemos ficar doentes perante uma entidade que jurou Hipócrates. Mau agoiro, portanto. Há uma hiprocrisia latente. Uma ironia cinematográfica. O pânico ainda pouco ajuda. O médico diz que vai ficar tudo bem e receita uma parafernália de medicamentos. As prescrições médicas nunca foram literatura a que desse valor e perdesse tempo a gastar os olhos. E os olhos gastam-se na porcaria que lemos. Na inutilidade desta poluição visual. Havia de existir uma lei que proibisse a invasão gratuita de literatura inútil. Um filtro ultra-avançado, por favor para os meus olhos. Um daqueles programados só para receber o que quero, preciso e me faz falta. Como um leitor selectivo de feeds. Há-de a mente humana produzir um desses um dia destes quando os olhos estiverem gastos. Funcionaria e seríamos todos solitariamente mais felizes. O sonho. A paralisia facial. Um AVC pequenino que deixará lesado parte do rosto. A parafernália de medicamentos. Vejo-os de várias cores, mas os que mais me inquietam são aqueles brancos, pequeninos. Xanax. Seguido de Rivotril. Não, sou eu que suo e deliro. Nunca o Rivotril para atenuar uma paralisia facial. E andamos todos na verdade com paralisias momentâneas e gratuitas, no dia a dia. Como a literatura.

sábado, janeiro 15, 2011

guerra e paz

(Prisão de segurança máxima de Bangu, Rio de Janeiro, ala feminina, onde a ONG Afroreggae desenvolve projectos sócio-culturais. Foto e texto: Vanessa Rodrigues, Novembro de 2010)



Estamos em guerra, ouvimos as vozes a bradar todos os dias como tambores: ordens, disciplina; condenadas por crimes que não cometemos. Baque-tuque. Tum! Isso é um estado de guerra, lenta, desgastante, porque por dentro estamos em pólvora, rastilho, estilhaços. Clip!

Estamos em paz, porque a rufar tambores, no tribal embalo da percurssão, da batucada, a paz vem, tangendo cá dentro, vibrando como terramoto, mexendo nas estruturas das nossas trincheiras. A paz vem porque o rufar desta vibração é anestesia, calmante, contrapropaganda e bandeira branca...

sexta-feira, janeiro 14, 2011

Navegar, Navegar!

Aos que têm navegado comigo neste oceano de praias desertas, abismos avessos a bússolas, sorrisos exóticos, horizontes, naufrágios, resgates, pores-do-sol, portos de abrigo, nados peregrinos, mergulhos em apneia, oxigénio, costas escarpadas e barcos à velocidade de nós desalinhados, sem GPS: é bom ter-vos sempre por perto. Venham à costa, à costa... Sabemos que mar calmo não faz bom marinheiro... Navegar, Navegar!!!


quinta-feira, janeiro 13, 2011

Gyógyfürdő CD

Gyogyfurdo - Apresentação e Concerto - 8 Janeiro, 19h00 (Matéria Prima) from Cãoceito on Vimeo.

Portugalidades, ou como saber a vida toda de uma recepcionista de piscinas municipais, ou fazer com que isto faça sentido

-Boa tarde, queria saber infos sobre horários de natação livre e hidroginástica de manhã e preços, por favor?

-Oh, menina, agora não pode ser, eu sou da limpeza e a menina da recepção magoou-se na bomba de gasolina a pôr gasóleo, porque foi deixar a filha no infantário, porque o marido que trabalha no banco não pôde, porque não foi almoçar a casa dos sogros. SE tivesse ido, ela já tinha chegado, mas infelizmente ainda não chegou e ando aqui a correr de limpar os balneários para a recepção para atender os telefones. Tem de ligar daqui 10 minutinhos, mas se eu não atender é porque já sei que é a menina, porque ela ainda não chegou!

(Episódio hoje, às 15h30)

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"Maybe the older you grow and the less easy it is to put thought into action, maybe that's why it gets all locked up in your head and becomes a burden. "

 Truman Capote, Breakfast at Tiffany's, 1958

terça-feira, janeiro 11, 2011

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[foto e edição vnrodrigues]
Old Major warns, "Your resolution must never falter.  No argument must lead you astray.  Never listen when they tell you that Man and the animals have a common interest....we must not come to resemble him...No animal must ever live in a house or sleep in a bed, or wear clothes, or drink alcohol, or smoke tobacco, or touch money, or engage in trade." 
Animal Farm, George Orwell, 1945 (UK)

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domingo, janeiro 09, 2011

"Vou ficar mais um pouquinho para ver se eu aprendo alguma coisa nesta parte do caminho"...Efêmera da Tulipa Ruiz...

sexta-feira, janeiro 07, 2011