terça-feira, outubro 13, 2015

Todo o Ruído

Foto de Vanessa Rodrigues

Há os e-mails para ler, as mensagens de Facebook, os telefonemas não atendidos, as notificações de notícias, as pendências no caderno, os pop-ups de mensagens por responder. As imagens rápidas de uma realidade que acontece na televisão cortam da desigualdade social para o anúncio de automóvel sexy, do mega desconto do supermercado para o champô que promete revolucionar o couro cabeludo dos desprovidos de fios de cabelo.
Há todo este bulício intersticial que acontece, imposto, contundente, cortante, violento, antisséptico. Um estardalhaço que nos esfrangalha a capacidade de pensar. Este fragor sensorial que nos higieniza. Que não me deixa, sequer, inventar personagens para esta crónica, porque me oferece uma miríade de vidas reais com estórias que parecem inventadas.
Por exemplo, há todo este zunzum de festa psicadélica que entorpece quando leio sobre Alfred Postell, o sem-abrigo com diploma de Harvard, que acabou na rua vencido pela esquizofrenia, conta o Washington Post. Se calhar a culpa foi de todo este estrondo que nos endoidece. A história dele recorda-me a de um outro sem-abrigo, que diziam ter sido um diplomata francês, que vagueou, durante longo tempo, pela Praça da República, no Porto, há um par de anos. Arrastava-se, com um barba generosa, de esconder faces, de tornar um homem espectador da sua vida, como se habitasse outro corpo.
Tantas são as voltas retorcidas, as vontades vencidas, o rasgo de solidão, desespero e dimensão mental que, de repente, nos levam a transpor a fronteira entre algo e o nada. Entre a dimensão de uma vida que parece destinada à correnteza de um sufoco. Ténue é a fronteira da impermanência, da vulnerabilidade, deste texto e das mãos vazias. Ténue e enredada pode ser a invisível barreira de um surto psicótico, de um esgotamento nervoso, de uma afamada depressão, de um esquecimento, até de como é o barulho das coisas ao cair. Lembrem-me, por favor, de inventar um personagem que colecione sons sem endoidecer, que tal como japim imite os sons à sua volta, e que seja capaz de reproduzir o silêncio. Já imaginaram todo o silêncio?

*Crónica publicada a 7 de Outubro de 2015, no Porto24