quinta-feira, agosto 20, 2009

SinaisdaGente


A Crónica Luna Samba vai ser um pouco mais "Sinais da Gente", numa travessia pela Amazónia brasileira, nos próximos quatro meses. Por isso este blog vai hibernar um pouco e migrar, de certa forma, para aqui:
Sinais da Gente (www.sinaisdagente.com)
e aqui: www.twitter.com/sinaisdagente
Acompanha-me nesta viagem...

quarta-feira, agosto 12, 2009

episódios...

Episódio número um: isto não é uma história. Episódio número dois: as histórias só existem se as vivermos. Episódio número três: as histórias não o são de cada vez que as esquecemos de viver. Episódio número quatro: não viver uma história é rasgo de segundos, lentos, em "loopings" de eternidade,"flashbacks" e "rewinds" que poderíamos evitar se não tivéssemos tido medo de sentir. Episódio número cinco: há histórias que nunca se cumprem e que nunca chegarão a sê-lo quando vividas a um. E o um, sabemos, não é uma história.
O das caminhadas sem destino. O dos assentos vazios à espera do inesperado. Há silêncios absolutamente lentos, como o do rio de águas mansas, que escorre luas-laranja, antes que alguém mande avisar que a casa abandonada era a nossa. Poderia; é? Pode, desde que tenha janelas sem portadas para respirar...com cadências de silêncio. Muitos, segredados com suspiros que acontecem pela noção de perda, desafectos, alucinadamente em vertigem, que ela rasgou do ventre para que não sentisse dor. E por que razão as persianas estão corridas? Não deixam ver a figueira que dá figos com pingas de néctar a começar, branco, pegajoso, ainda agarrado à vida, como se soubesse que um dia escorrerá na boca de alguém, goela abaixo, como o vinho que o avô mandava pisar, e que tanta comichão nos deixava nas pernas, cor-bordô-pisado, deixando o mosto nervoso de tantas pisadelas inexperientes, e depois só saíam das pernas com sabão esfregado como se esfregam as panelas da cozinha com fogo a lenha, lento para defumar os chouriços que há pouco se encheram; e aquela fumaça que me deixou a respirar como se tivesse gatos dentro do peito, salvava-se o pão no forno com chouriço a fumegar, a malga de vinho verde tinto com cebola de fazer chorar, ácida, depurativa e o chiado dos ouvidos do tio Zé - que aquele aparelho era luxo na região; e como cheirava a orvalho no Invernos das nossas madrugadas, do cobertor quente que nos aquecia o corpo, o cheiro a madeira velha, defumada que viajava nas entranhas para se restar na infância; e os calendários com santos que a bisavó insistia em pregar na parede ano-a-ano, as vinhas da janela com geada a descansar no topo, e a inocência das tardes lentas, do tempo escorrido a sol, sombras e anoiteceres que achamos injustos depois de um dia que nos roubavam, só confortados pelas malgas da sopa de couve e feijão que a avó servia, horas depois de as colher. É, há silêncios absolutamente lentos, e os do envelhecer, gota-a-gota como o orvalho de cada ano daqueles Invernos das nossas tardes, são serenos e mais vadios, e só os percebemos como ausências de nós, quando o olhar se dá conta que o tempo mudou a respiração do outro. Esse, o dos nosso afectos...