quinta-feira, abril 30, 2009

Fixa.ções Bielman A.

Cidade-Fantasma

Têm cheiro a paredes velhas e bafo amadeirado, suado, de casas usadas. Fumam a vida como éter. Puff! Esvão-se em pó velho. Têm tinta nas paredes para esconder o sangue das ditaduras. A das palavras e as silenciosas. As mais perigosas que deixamos entrar. Abrimos a porta. "Clav...Clic..Rank". Deixamos que ela se meta na cama como uma amante discreta: dissimula os cheiros do cigarro, não usa batom, nem perfume, só o do corpo depois ido com sabonete neutro; e tem sempre uma camisa a mais para ele com o número exacto, a marca precisa que enganaria a mais exímia das mulheres e é especialista em produtos anti-sépticos contra a polícia conjugal. As cidades-fantasma que habitam em nós são assim. Aquelas que metem as amantes numa casa vazia. São lugares esvoaçantes, idos, que deixam o lixo povoar as ruas, as casas, e toda a beleza de uma brisa tardia sem rasto, exangue, silenciosa, em neurose com a memória porque nunca existiram.

terça-feira, abril 28, 2009

Luxúria...


Estava longe de “abismar-me”, do ruborizar do “embaraço” e bem distante de qualquer probabilidade remota de “ascese”, quando o livro de Roland Barthes “Fragmentos de um discurso amoroso” (1977), na estante do 11º andar com vista para o Museu de Arte de São Paulo, onde moram Anna Ullic, Lorac Ahnisuol, Mu e MadMax começou a magnetizar-me. Claro: num desses olhares lascivos e com segundas intenções que só livros com uma certa maturidade e sabedoria sabem fazê-lo a miúdas despreparadas, como eu, para digerir o que é o Amor, afinal, sobretudo quando ela está acabada de aterrar à cidade que é, essencialmente, o Amor Líquido de Zigmunt Bauman levado ao êxtase.

Folhei-o, portanto. E lá encontro Racine, Freud, Werther, Jung, Sade, Stendhal, Nietzche, Baudelaire e mais uma série de falhados no amor, mas com muita classe e sapiência na arte da orgia, qualquer que ela seja – e desta leva Sade é mestre na cantilena. São outros tempos, pensarão alguns. Mas eu digo, que não. Os "tempos" são, sensivelmente, os mesmos. As neuroses é que são mais crónicas, porque muda a nossa vontade de transmiti-los. Os meios. E nós recalcamo-nos, por isso. Os mesmos animais amorosos individualistas com medo de saber que a intensidade dos laços valem mais que os desafectos e o medo de peito amargo, pesado, rasgado por nadas.

Saibam, então, o que Barthes tem para nos dizer de palavras como estas, baseando-se nas entrelinhas de alguns dos autores desta história.

Abismar-me.
Me abismo, me sucumbo. Lufada de aniquilamento que atinge o sujeito apaixonado por desespero ou por excesso de satisfação. Sartre: desmaio para escapar a esta compacidade.

Catástrofe. Crise violenta no decorrer da qual o sujeito, sentindo a situação amorosa como um impasse definitivo, uma armadilha da qual nunca poderá sair, se vê fadado a uma destruição total de si mesmo.

Cena. Troca de contestações recíprocas. Sade: A cena é luxuosa, ociosa- tão inconsequente como um orgasmo perverso: ela não marca, não suja. Paradoxo: em Sade a violência não marca – o corpo é restaurado constantemente.

Carta- A figura visa a dialéctica particular da carta de amor , ao mesmo tempo vazia (codificada) e expressiva (cheia de vontade de significar o desejo).

Desrealidade. Sentimento de ausência , fuga da realidade experimentada pelo sujeito apaixonado, diante do mundo..

Louco. O sujeito apaixonado é atravessado pela ideia de que ele está ou está a ficar louco.

Querer- Possuir. Ao compreender que as dificuldades da relação amorosa vêm do facto de que ele está sempre a querer se apropriar de um modo ou de outro do ser amado, o sujeito decide abandonar a partir de então todo “querer-possuir” a respeito dele.
Em Wagner p. e.g. "O outro deve-me aquilo de que preciso".

Rapto. Episódio tido como inicial para o sujeito ser capturado e encantado. Freud chama-lhe efeito hipnótico.

Saídas.
Soluções enganososas, quaisquer que sejam, que dão ao sujeito apaixonado um repouso passageiro, apesar do seu carácter quase sempre catastrófico; manipulação fantasiosa das saídas possíveis da crise amorosa.

sábado, abril 18, 2009