quarta-feira, janeiro 19, 2011

Também um dia já fui uma steampunk, ou, quem sabe, talvez isso explique muita coisa

Movida a vapor, portanto. Entusiasta das grandes loucuras tecnológicas num tempo antes do tempo, num universo soturno, onde a penumbra era sinónimo de entrada para uma outra dimensão, quando o vapor começava a dar os primeiros bafos. Mas fui-o na literatura, com uma pitada de curtos-circuitos que queriam simular os órgãos vitais e as nossas entranhas. 

Apercebo-me, agora, de um padrão no fascínio literário que recheou as minhas tardes do passado, enquanto as hormonas ainda estavam adormecidas para me dar outras razões para sair de casa. Esse padrão chama-se, tiniu aqui dentro da máquina cerebral, "steampunker": um género de literatura do século XIX que mistura avanço tecnológico com improbabilidade - e mesmo terror, como no caso de o "Frankenstein" de Mary Shelley. 

Lembro-me, sobretudo, desse imaginário que sorvia da literatura: os metais, o aço, os balões de ar, os parafusos, muitos parafusos (eu só via parafusos), de roupa escura esfiapada, dos espartilhos delas (sempre gostei de espartilhos, gosto que até hoje não se foi, mas olhando para o armário sai-me um suspiro de desilusão: nunca tive um espartilho), dos fatos deles... 

Então, eis que me apercebi que nessa época, a de quando a depilação ainda nem sequer era coisa do meu vocabulário de género, eu lia Frankenstein de Mary Shelley, sugava Júlio Verne, e mais timidamente Edgar Allan Poe. Se me esqueci, hereticamente, de algum, eis agora a minha penitência: moratória, por favor, para vasculhar as estantes; pena atenuada porque sempre fui uma iniciante, sem ambição ou ciente do que significava lê-los.  

Foi, todavia, por eles, e porque as estantes de casa sempre foram abundantes em lombadas diferentes,  que acabei por ler, também, com atenção "Os mil e um fantasmas" de Alexandre Dumas. Depois, tornei-me leitora assídua de Robin Cook. Podia ter, por isso, tropeçado nos policiais: em Poirot e Sherlock Holmes que sempre foram os preferidos da mãe. Devorou-os um a um. Até hoje, se for preciso e a vontade assim o quiser, ela volta a eles.

Um livro leva ao outro, sabemos, e aprendi, nesse sentido, a intercalar esse tal de "steampunk" com Dostoiévski, Stendhal, Goethe, Tolstoi, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Eça de Queirós, António Aleixo, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Cesário Verde, Camilo Castelo Branco, Miguel Torga, Almeida Garret, Bocage, Cesariny, O'Neill, Florbela Espanca, José Cardoso Pires,... etcetera. Nos últimos cinco anos aprendi a incluir mais o Brasil nesta voracidade pela prosa. Foi uma espécie de paixão bem sucedida. Tornou-se um caso de amor. Ocorre-me, no entanto, que o tempo nunca será suficiente para ler tudo aquilo que gostaria, num desejo que me acomete todos os dias: o de que deveria ler mais e mais e que, talvez, quem sabe tenha perdido algum para os grãos da ampulheta ao ter sido uma steampunker. Ou talvez não. E tenham sido eles que me levaram à voracidade da literatura. Talvez isso explique muita coisa!

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