sábado, abril 30, 2011

O diabo anda à solta e só as giestas amarelas nos podem salvar

Há variadíssimas formas de falar dele e, no Brasil, há até um cognome de que gosto muito: Capeta. 


Já aqui escrevi, oportunamente, sobre o diabo na Literatura (haja fôlego expressionista para lhe seguir as pegadas), e Machado de Assis, com conto de Igreja prosaica a ele dedicado, sintetizou como se comporta este imortal, omnipresente e omnisciente da tipologia da maldade e da artimanha (arte e manha); na tentação pecadora entre o bem e o mal. 

Sendo o mal o único gozo prazeiroso, dizem, recheado de luxúria orgástica, para uma tão curta vida, como pode ser a passagem deste lado de cá, com outras fogueiras infernais e, às vezes, mais dolorosas, mais castradoras, por que não pactuar com o diabo, esse pós-doutorado na arte do Pecado? (Dizem que é bolseiro vitalício do departamento de Estudos sobre a Maldade e Outras Tiranias).

Ocorre-me pensar nisto, porque hoje é dia 30. Acaba-se Abril, passamos a Páscoa, purificados, abençoados pelo prazer da gula, dizem, e na prosaica vida que levamos, estação-a-estação, estalando-nos um pouco mais a derme, mas mais ricos, se o soubermos aproveitar, no baú intelectual, singra o Bem sobre o Mal. 

Só que, como é habitual, anualmente, (e não deveria ser ao contrário?) há uma última provação, uma derradeira via crucis a superar, por esta altura: deixaremos, ou não, no primeiro de Maio, o diabo entrar em casa (em nós?: ai o diabo no corpo!)?; ou ele bem pode limpar os pés no tapete da porta, gastando solas, porque nunca o convidaremos para cear, beber vinho, ou sequer daremos margem para qualquer tipo de negociação, ainda que o diabo as ande a tecer. Há-de, por isso, salvar-nos as maias.

Chegamos às portas da entrada de Maio e temos essas flores amarelas no chão da cidade, nas estradas, nas floristas, à venda, para espantar o demo, como o diabo da cruz. Amanhã, com sorte, fiéis à tradição, muitas fechaduras de portas terão giestas amarelas para espantar o diabo. Ali, quererá dizer o significado floral, o endemoniado não é bem-vindo. "Vade retro, Satanas!"

Recordo-me que, quando era mais nova, esta era uma época de recreio; de andar na rua com cheiro intenso a giestas amarelas. E mãos um pouco mais secas. Apanhávamos as flores e distribuíamos pela rua a dizer qualquer coisa como: "Para espantar o diabo!." 

Havia quem sorrisse. Havia, como hoje, gente que se chateava, com pressa, com tamanha crendice.

Mais ousados, poderíamos até pôr já as flores em algumas fechaduras. 

Conta a tradição, que além de assim, com maias, queremos espantar Satanás, perpetuamos a celebração agrária de quem diz "xô", finalmente, ao longo Inverno, e dá as boas-vindas à fecundidade da terra, como boa parideira que pode ser, nesta maturidade de estação, a Primavera, já quase a ser Verão. 

Há-de a terra fértil, o campo dos nossos antepassados, das culturas que viviam da orgia da natureza, nesta época, ter muito que ver com as giestas amarelas que nos salvam do diabo.

Uma vez, lembro-me, fui pé-ante-pé espreitar à porta do prédio onde os meus pais moravam, depois das doze badaladas a quererem ser Maio, a ver se via o diabo, bem-disposto a querer entrar em casa. Não sei muito bem se tinha ensaiado alguma palavra para quebrar o gelo com o Senhor dos Infernos. Imaginava-o elegante, bem-cheiroso, fancy, talvez a vestir Prada, e galanteador. 

Imaginava-o um charme à la James Bond, com o tique treinado a mexer  no bigode à Clark Gable, como quem degusta as vistas de uma mulher gostosa (não que fosse o meu caso), e a inclinar o corpo, em jeito de pose Espartana. 

Ele nunca chegou a aparecer. Talvez andasse ocupado noutro lugar, embora a omnipresença seja uma das suas maiores qualidades. 

Não lhe vi, por isso, o fato Prada, o cheiro Dolce and Gabbana, o toque de espião de requinte ao serviço da maldade. Não vi, pois, nunca o Maio-Moço endiabrado. Ainda assim, e apesar de já não andar na rua a distribuir giestas amarelas, parece-me coisa boa a natureza em flor. Coisa fecunda, orgia de cor, explosão de vida há-de sempre ser coisa boa, com diabo à solta, onde só as maias nos podem salvar. 

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