quarta-feira, fevereiro 16, 2011

A mulher sem cabeça, ou, ah ok, entendi: espectadores prestes a perderem-na



"La Mujer sin Cabeza" (2008) da argentina Lucrecia Martel é um daqueles filmes que, de certeza, inspirou muitas e longas críticas de pura masturbação intelectual. 
O cartaz do filme tem, em letras garrafais, "elegante", "brilhante", conforme consta no site do IMDB, onde estão, pelo menos, 72 análises internacionais. A crítica portuguesa, pelo Ípsilon, arranca com um "o melhor filme que vamos ver todo este ano". Mas chega a falar em autismo, em conceptual... Nada contra os autores que transportam o universo particular para a cinematografia. 

Martel, pelos vistos, chega a ser comparada a Antonioni. Vitória, com certeza. E, neste caso, são 86 minutos à procura do Wally, numa lenta valsa, de uma história que não evolui, ou melhor, apegamo-nos à lógica de encontrar a mulher decapitada, lato senso,vai! Ok, podemos sempre evocar razões conceptuais, discorrer sobre a psicologia cinematográfica, dissecar o personagem, a semiótica, a filosofia da linguagem, o sistema simbólico, desestruturar a trama à Walter Benjamim ou Roland Barthes, dar um golpe pseudo-intelectual de fenomenologia Hursseliana, mas havemos sempre de nos afastar dos filmes herméticos. 

Nessa linha, chuto a conclusão: a Verónica que vemos é uma mulher frustrada, perdida, e vai perdendo a cabeça, a identidade, a partir daquele fatídico acontecimento que a faz transpor de uma espécie de mutação de personalidade. Sim, é isso, vai perdendo a cabeça.

Há algumas deixas no filme que parecem querer fazerem-nos esse desenho, como quem dá pistas para o enigma: "não parece a tua voz", diz-lhe a mãe; "eras tão bonita, por que te estragaste?"; a virgem está imunda; e, depois, passamos a vida a aperceber-nos do cabelo dela: que ora etsá louro e imundo, ora está amarrado, lavado à chinesa (que consiste apenas em passar água, sem realmente lavar), ora está pintado de preto, no final. Outra mulher. Outra cabeça.

Sim, aquela mulher vive uma elipse paralela à realidade circundante: há uma Vero antes do acidente; há outra Vero depois do Acidente. Vêem? A coisa resolve-se, posso lançar confetis e gritar vivas honras, pois o exercício do pseudo-intelectualismo é uma coisa que, afinal, se pode facilmente exercitar.

Confesso, no fim do filme (não está na lista para uma revisão mais tarde recordar), a mulher sem cabeça era, pois, eu. A patavina que era suposto estar ali perceptível- há quem acuse o filme de correr o risco de não ter espectadores à altura: Eu, Vanessa, me acuso - passou-me ao lado. E é um exercício violentamente desnecessário.

Vou ver o Barbeiro do Joel Coen. A ver se fico um bocadinho mais inteligente. 

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