segunda-feira, maio 24, 2010

Cuidados Paliativos I

Providências Cautelares, ou o tribunal dos paninhos quentes (a gerência sentimental agradece a quem o inventar)

A Jurisprudência não é uma ciência exacta. Justa. Se a mãe do Direito já é corrompida no cerne, os filhos, por isso de proveniências duvidosas, não poderão nunca ter a espinha direita. Vergam-se, nem que não saibam que o ângulo cedeu, ainda que por milímetros. Vergam-se sempre, involuntariamente. 

É que a justiça não existe. Somos contexto, pretexto, e essencialmente, parciais. Somos corruptíveis pelas nossas crenças e pela forma como vemos o mundo. Em total relativismo razoável. Para nos entendermos (com as diferenças que tanto nos separam em atrito-conflito gélido e indiferente, por vezes) procuramos o comum. E falhamos sempre, demasiado. Por ego.

Não quero entrar em discussões epistemológicas, muito menos ontológicas, que me levem ao emaranhado académico da Filosofia sobre o assunto. Não. É simples: na equação "exacta" que poderia assegurar que os resultados sentenciais (deliberado por pessoas - quer sejam os nossos juízos de valores, quer sejam pronunciações profissionais de cerne jurídico) fossem o mais rigorosos e conforme o que é justo (teríamos mesmo de reinventar o significado de justo, pois não encontro nos dicionários um resultado que me satisfaça, imparcialmente) teríamos de considerar as variantes e não as constantes. Além de que não dispomos de detectores de justiça que as analisem todas, com rigor e adaptabilidade circunstancial para o correcto exercício da exactidão. 

Contexto, ambiente, predisposições, cultura, espaço psicológico, afectos, desafectos, neuroses, educação, ideais, horas de sono e, ainda, por fim, uma certa antipatia ou simpatia pelo caso ou a pessoa a julgar. E isso ainda que ela nos esteja a enganar mesmo muito; a mostrar-nos não aquilo quem ela verdadeiramente é (não estou certa de que haverá alguém que realmente o mostre, até porque ser e estar não são exactamente a mesma coisa) ou aquela que ela percebe que gostaríamos que víssemos, como adjuvante de peso da nossa absolvição. 

Mas onde noto, substancialmente, que a jurisprudência e filhos afectos como o Direito e a Justiça, por exemplo, não são justos é na incapacidade de julgar os sentimentos, as emoções e os estados de espírito. Não há pior demonstração de falha – e consequentemente nós, como seres brutal e cronicamente incompletos – do que esta: a cabal incompetência de impor providências cautelares para os nossos sorrisos, a nossa leveza, a paixão, o amor, a solidariedade, e os abraços sentidos. Esse baú invisível de disposições felizes de vida.

Haverá muito mais nessa arca, mas já perceberam onde quero chegar. Se cedo lhes imputássemos uma qualquer providência cautelar para garantir pertença (e assegurar que quem um dia a teve deveria dela usufruir eternamente,  resgatando-a sempre que quisesse) pois terá sido sempre dela despojado contra a sua vontade, através de coacção física ou moral. Pior: através de furto ou roubo. Pelos outros. Sempre os outros - um dia nós  também fazemos parte desse plural de pronome indefinido. E para esses crimes não há Tribunal ou miragem de casa de Justiça para os julgar: condenar ou absolver. Como se existisse, legitimando as providências cautelares, tornaria a vida, por isso, talvez mais justa. E a nós mais felizes.

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