sábado, maio 09, 2009

Quase-nada!

Às vezes parece que "me estou a ler". Evito pensar alto, porque me perco. Sou páginas em branco, às centenas, ou livro mal acabado. E o formigueiro em mim resgata-me de o fazer. Quando penso, sequer, agarro-me ao chão para encontrar o lado esotérico que me falta. E, nas entrelinhas do asfalto, já encontrei o calor ausente desta alma de blocos de gelo. Não cedo. Aquele brilho irrita-me. Ofusca-me os olhos e tira-me lucidez. A+B. Se a vida, afinal, fosse assim tão higiénica e equacionada, não precisaríamos da abstracção para nos complicar o diálogo. Espera, contigo sempre foi monólogo, afinal. Asséptico. Se pudesse derretia o que sinto por ti nesse asfalto quente, colado a piche negro com gravilha para ser a base plana por que atravessam os pneus desesperados. Como as pessoas em ti. Ok. Gostava de saber se faz sentido afinal. Mas não há juízes do bom senso. Cabe em nós. Deveria? Se nós é tão díspar de eu.

Dobro a esquina de sempre, as escadas da rua apertada, o “quase-elevador” e lembro-me que é mecânico. Não devo ir por ali. Pelo menos desde a semana passada. Nunca achei que quisesses que voltasse para casa. Estavas neurótica e achavas o contrário. Aliás, nunca te vi de outra forma. Esqueço-me por hábito. Depois, não atendias o telefone e dizias que não queria saber de ti. Vítima. Sempre tu! Foi essa a história que criaste no BI da família. Ok! Sim, o bode expiatório de que todos precisamos. Ainda cedia, ao ritmo da tua linguagem anti-depressiva: Fluoxetina, Amitriptilina, Nefazodone,... E as tuas palavas já eram só bulímicas para mim. Depois, não respondias às mensagens. Desculpavas-te pós-vitimização: que estavas cansada e adormecias, depois do cigarro de sempre: nicotina. Mesmo depois de lavares os dentes. Ainda desligavas o telemóvel. Para não sofrer, dizias. Parecia conversa de divã falhado. Ou talvez pressão psicológica. Sempre foste exímia nessa arte de dissimulação. Acho que todas as mulheres o são, sem anti-depressivos. Já nascem com a manha aguerrida de soltar as pinças afiadas, invisíveis e silenciosas da dissimulação doentia. Rede certa, que magnetiza a emoção dos outros.

Mudaste as fechaduras. Nem consegui ir buscar aquela camisola amarela que tanto odiavas: "amarelina", seria? Não me lembro que gostasses de alguma coisa sequer. Ou era a barba. Ou o cabelo desalinhado. O mau hálito que nunca tive. A louça mal lavada que tu própria lavavas; e dizias que eu não sabia secar os pratos. Os pêlos do pano nos copos. Que devia deixá-los secar, mas se de manhã eles estivessem no mesmo escorredor, eras o meu despertador matinal, estridente e intermitente. Sabes, nunca me cansei de ti, até ao momento em que perdeste o brilho. Não é fácil perdê-lo. Só o deixaste ir por desgaste. Depois, os telefonemas, de novo. Que devia realmente voltar para casa. O jantar, aquele jantar que nunca chegou a sê-lo. Poderia ter sido o primeiro jantar em oito anos. O realmente jantar. Não fosse aquilo. Depois percebi que tinhas mudado tudo de lugar e não deixaste sequer um sopro de que gastei essa casa. Numa semana? Foi aí que percebi que me estava a ler, como as tuas posologias médicas. Em cada gesto teu, em cada grito, histeria, neurose, estavam os recalcamentos que nunca superaste e que, afinal, eu não tinha nada a ver com isso. Foi o meu diagnóstico para a cura! Até hoje não sei se existes.

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