quinta-feira, agosto 09, 2007

Via São Paulo

-“Vai entrar?”
O velho sempre ciranda pelo autocarro. “Czum, czum!”. Arrasta os pés. Assim: de jeito desengonçado, malcheiroso. Cabelo amarelado do pente fino, empoeirado da prateleira remelenta e fétida da lavanda bolorenta, essa do frasco carcomido pelo sol da janela. Sempre pela luz da manhã.
É rabugento com quem não quer passar o torniquete, porque o transporte está cheio; apinhado de suor (deste, daquele; da mulher de camisola azul, do rapaz de blusa verde, da velha de saia branca). O que mais há: lotação de impaciência. Estão todos impreparados para o jogo de cintura vai, cintura vem; do roça-roça-que-quero passar! (ou pelo menos tentam; não há como tentar!).
Ele vai. Vem! Acotovela toda a gente. Empurra os corpos como se empurram peluches gigantes em lojas de brinquedos. Somos brinquedos, ora aí está! Chega, aos pouquinhos, o corpo mais para o lado. Para cima da rapariga. Calca os sacos do chão, às trapalhadas. O autocarro sacode. Passa uma lomba.
Encosta o cheiro nauseabundo ao corpo dela. “Zás”!: está já colada à mulher do outro lado. Efeito sanduíche!
-“Importa-se de se segurar do outro lado, que tem mais espaço. Você tá me machucando e esmagando, senhor”!
- “Porra, que ninguém chega pra lá neste ônibus”
- O senhor não ta vendo que não tem espaço”!
-“Que se arrumem todos para lá!”
Ele passa. Empurra toda a gente. Sim: com aquele cheiro pestilento. Um mijo ressequido. Cheiro seco, amargo. Os lençóis velhos passaram para ele o mofo. Blusa laranja-algodão suja nas pontas. Salpicada de uma gelatina qualquer. É melhor nem saber. Ou quem sabe: pode ajudar a entender a história.
-“Vai passar?”

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