quarta-feira, setembro 28, 2011

#[1] America snapshot: passageiros clandestinos, linha vermelha

Desci ao inferno, sem passar pelo purgatório. A vertigem é escada abaixo, ligação directa. Para percorrê-lo, norte a sul, este a oeste, odor a odor, basta um cálculo rápido pela linha vermelha: linha 1 para peregrinar pelas capelas locais; 2 e 3 para visita de médico, em condição expresso, numa amostra antropológica do que pode ser o subway nova-iorquino (o infra-mundo do underground é figurativo justo): uma micro-família que muda em cada paragem, itinerante; uma congregação de passageiros clandestinos, por entre as veias tenebrosas e escuras de Gotham City, Nova-Iorque. 


E de tudo isto depende para sobreviver, como quem procura oxigénio no ar rarefeito para existir. O resto, demasiado, são canais complementares, tentáculos citadinos de mobilidade garantida: amarelo-Queens-Brooklyn, roxo comboio 7- Queens até ao “runs” dos Mets; Azul: do centro-praia-ilhas ao redor; laranja-meio pelo fluxo urbano; cinzento na horizontal-régua da metrópole; castanho larga em downtown a oeste, passando Cypress Hills, subúrbios, até Jamaica Center – não sabemos muito bem o que é; e verdes linhas - e isto não é o Central Park, nem o Strawberry Fields forever - o claro como remendo entre amarelo, castanho, rox, azul e laranja; o escuro: uma espécie de bombear cardíaco para que a vermelha não se acabe.







Daqui, das entranhas, que é a verdadeira ruptura com qualquer dos mundos, vemos o mundo num guisado, como se descêssemos ao Hades.

A rapariga de véu e headphones por cima dele, com a música em alta fidelidade de pano abafado; loira em maquilhagem expresso entre duas estações; o homem de chinelos como se o espreitássemos pela porta da frente de casa, enquanto lê o jornal, de roupão, na poltrona da sala; as discussões conjugais entre casais homo; a refeição fast-food da rapariga de rosa-fucshia, enquanto tecla o telemóvel da moda; os humores, frustrações, olhos cansados e pesados de madrasta vida; a felicidade de um bouquet nas mãos, a indiferença plasmada, enquanto que por cima o cartaz: “Sustainable Happiness".

Há ainda um texto atrasado que se tecla no laptop sobre uma tese de dinâmica de corpos, entre Times Square e a rua 72. Tantos electrões e protões que hão-de ser física quântica.

E, depois, no metro, afinal, pode-se ser feliz sete dias por semana. “Ask me how”.

O princípio: desci ao inferno na rua mais “diabólica” de NYC. 


Os néons vermelhos, rosas, laranjas, brancos, roxos, azuis. Há esta invasão (de propriedade) visual. Há esta overdose polifónica. Há esta humanidade num caldeirão com o diabo a esfregar as mãos em fiesta; 24hour party-people


E o diabo deve ser deus da meteorologia. 


É que NYC nunca se acaba numa temperatura, com nós pela avanlanche térmica: há sempre quatro pontos no termómetro na cidade insone. A da rua, a do metro (42 graus é eufemismo), a da carruagem, lá dentro, (glaciar é eufemismo) e a nossa: do corpo, da alma. Depende do que nos apoquenta: gela ou ferve. Às vezes também deixamos as coisas em banho Maria.

E deixar as coisas em banho Maria é viver um pouco menos. Se o fizermos no metro, é como se tivéssemos outra vida. E, aí, está tudo certo. Podemos ser anónimos de passagem, ter uma vida de passagem, quotidiana, pensar o que quisermos porque ninguém nos conhece: pedir dinheiro, ser depravados, obscenos, passar cartões sado-masoquistas e marcar encontros, chorar, rir, saltar, dormir, comer, fornicar, roçar corpo-no-corpo, ler, invejar, amar, seduzir, ansiar, observar. 


A tudo isto saímos impunes, porque todos somos passageiros clandestinos com uma família provisória. É a meia medida da nossa vida, um intermezzo para a redenção, para ser feliz, sete dias por semana. 


É que descer aos infernos do metro de Nova-Iorque pode ser absolutamente isto: um purgatório por $ 2,25, pelo ritmo cardíaco da cidade anónima, da identidade invisível. A vertigem: é entrar em nós, para de lá sair. Ter várias vidas, na anatomia urbana. Next stop is...

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