segunda-feira, junho 14, 2010

Lisboa, mapa-mundo


As portas deslizam mais rápido e as carruagens estão velhas. Há um mundo ali sentado. Com veias onde corre sangue miscigenado. Linguajares que o ouvido não reconhece, descontextualizados, simultaneamente tão arraigados se o mundo é uma carruagem. Ou um vagão velho. Um vagão velho que carrega documentos em várias línguas. E leva assentos de pano puído, gasto e conforto de mágoas. O mundo conforta-se entre Santa Apolónia e Martim Moniz. Em paragens desconhecidas. No silêncio dos Restauradores. Ali há ruído, cocktail de vozes, e ausência ... porque quem passa nada deixa. Nunca deixámos nada. 

O mundo conforta-se em Lisboa numa linha amarela, vermelha, verde, azul. Como veias. O mundo entranha-se. O globo poderia ser só ali. Tanto mapa de maneiras de ser. E Lisboa é tanto mundo derramado. É Marraquexe, Bangladesh, Europa de Leste, Brasil, Senegal, Cabo Verde, Benim. Haverá Benim no mundo de Lisboa? 

Somos lá véu a tapar-lhe o cabelo. Somos as mãos pardas, o cabelo em carapinha, o dourado dos fios nórdicos, o rasganço dos olhos negros, tão negros, como a pele que somos na rigidez da dele que se conforta no puído onde se senta. Ou nas cores da explosão do tecido. O vagão. Há mundo inteiro se o ouvirmos por ali. O que será mundo sem esta inteireza de uma carruagem velha que passa e liga linhas como veias na cidade? Cidade é isso: veias. Tantas veias coloridas que não vemos em explosão de nacionalidades. O mundo é nada. É tudo sem o ser. Que língua fala Lisboa? Agora é mundo. E leva-o  no vagão velho de cadeiras puídas. Eu vou em pé. Sempre apressada. Talvez eu não seja mundo. Nem de lado nenhum. O que se é quando não se é mundo?

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