sábado, julho 18, 2009

A Cafetina



- Só tem cafajeste na zona. Aqui é gente de respeito. Minhas meninas são gente fina! Cuido disto há 40 anos e nunca vi nada assim. Sai da frente. Pega ele Zezão. Isso, soca bem nesse sem vergonha e faz ele pagar para mim. Meu dízimo ele tá devendo, e ninguém sai daqui até ele pagar, nem que seja com a vida.

Eloquente, vozinha metálica, grossa, quase-rouca, sem tons de amargura, pescoço enrugado e mão pesada, ninguém passa a perna em dona Zica. Puta que se preze trabalha com dona Zica na região. Sua saia preta impecavelmente engomada, blusa decote em V por onde se escondem mil estrias e rugas marcadas que lhe encorrilham o peito farto. Nunca levou homem para o quarto (a não ser aquele há 40 anos). Isso é com as meninas, com quem ela grita, insulta, maltrata - mas isso ela pode, é patroa. Só tem uma que é a predileta: Maria chegou à casa há cinco anos. É a protegida. Rosto angelical, peitos naturalmente musa grega, fina, doce ("Só não pode abrir a boca, de onde só saem barbaridades", diz Zica): a mais disputada pela clientela. Por isso, a mais cara. Puta por opção.

- Aqui não há vítimas. Ou se aceita, ou vai ter de engolir essa.

Amarga-lhe ainda mais a voz se cliente não paga serviço.Parece bala perfurando madeira.

- Usou, vai ter que pagar. Nem que seja um papai-mamãe rapidinho, ou apenas para jogar conversa fora. Tem que pagar. E se ele veio para espionar minhas putas e levar para outra casa, assinou a sentença de morte.

Dona Zica tem o batalhão Zezão para limpar a área. O distinto senhor Bielman queria fugir pela janela. Rondava as cidades nesse esquema. Chapéu gentleman-I-am. Calça de vinco cinzenta, cheiro naftalina armário-nunca-lhes-dou-uso-a-não-ser-para-ir-à-zona. Mas dona Zica estava avisada e deixou o filme rolar na tela, até que ficasse preso e virasse “hardcore”-sessão-proibida-da-meia-noite. Ela o topou na entrada. Ele subiu pelo elevador até o décimo andar. Desceu as escadas, andar por andar para escolher a garota. Nada de mexer com elas até levá-las para o quarto. Nisso dona Zica era a patroa exemplar. Dava as dicas necessárias: nunca beijar na boca – "Isso é romance e aqui não tem romance"; tomar sempre banho depois (uma torneira de água fria em cada andar, chão levantado, sem azulejo, cimento negligente na parede dizendo “aqui-é-pré-fabricado”, e uma janelinha insalubre por onde entra o único ar do andar); usar sempre camisinha; actuar como se o gozo fosse o processo final; não se apaixonar por cliente; nunca aceitar presente; nunca contar nada sobre a vida privada; nunca sair da zona para morar com cliente; nunca ter cafetão; e nunca confiar na cafetina.

Quebrando as regras, ou suspeita de corromper o código da casa, as represálias poderiam ser duras. Duras penas. Talvez a mesma que acabou carcomendo gentleman Bielman. Ele ainda suspirou, suplicou, imprecou aos deuses um a um, apelou aos carrascos, interpôs recursos afetivos. Não tem como pagar. O sangue escorre pela boca. Está branco e suplicando para parar. Dona Zica detesta homem mole. Quando ouve homem suplicar, o jeito é dar o que ele precisa.

-Pára aí Zezão. Já chega de teatro. Minha casa não é palco gratuito de nada. Que show é esse, gente? Só de sexo e esse tem de pagar. Pára Zezão, já disse. Me dá aí o tal negócio. Esse pilantra não vai mais pisar aqui ou meter o pau em mais nenhum lugar. Quer ver só?

Quando aqueles gemidos urram, todo o bairro sabe o que acontece. Ambulância chegou minutos depois. Bielman não era mais homem.

- Vamos voltar ao trabalho. Com minhas meninas ninguém zoa. Aqui não é nenhuma ONG ou Santa casa da Misericórdia. Pode ir Zezão. Hoje te libero. Tão cedo não aparece mais ninguém para deixar de ser homem em casa de puta.

1 comentário:

Débora Gregorino disse...

Adorei a foto e a história. :) Saudade de vc!