quinta-feira, março 05, 2009

Ras.cunhos

Já somos demasiado novos para envelhecer e demasiado vividos para perceber que aquilo que realmente lapida - a ventos, lágrimas, sorrisos, abraços e texturas - em nós são os olhares que nos deitam e importam; a pausa dos silêncios que aprendemos a partilhar e o chão em que nos sentamos como antídoto a cadeiras com assento falso. E as brancas são sinais de pausa, fôlego, ardências. Deixamos de ser sedas nas palavras e passamos ao veludo, que não agrada a todos, arrepia, repele. Se deitado devagarinho quase é talco de bebé. É quando o relógio deixa de importar e só queremos espremer cada laranja-lima para aproveitar o doce e entregar à terra o que é das entranhas para voltar e sê-lo. Já somos demasiado conscientes e impuros para acreditar em nuvens de algodão, mas passamos a vida a lá querer voltar, arranjando desculpas para o fofo dos abraços. E a serenidade do rosa-fucsia do amanhecer.

Uma vez aprendi com o dia. Só se nasce luz-a-luz depois das trevas assistidas a lanternas para dissimular;e que duram breves grãos caídos de um centésimo andar vezes mil. Visto de lá, achamos que nunca chegamos a sê-lo. Porque nunca resgatamos do baú os sonhos que ainda havemos de fazer e-que-nunca-os-faremos-se-não-os-começarmos. É que os acasos existem porque estávamos atentos. E os sonhos acontecem porque calejamos os dedos, ampliamos os olhos, acordamos sem despertador para seguir o instinto e gastamos a pele da perseverança para que seja. Achamos que devem ficar quietinhos na textura das páginas do inconsciente colectivo, mas passei a desligar-me do abecedário em massa para começar um dicionário vanessiano. Na realidade sempre o tive. E mais do que imaginava está lá resgatado, escrito por todos os que lapidaram em mim; construído por capítulo de resgate. Não para sobreviver, mas como lembrete das histórias que comecei e encerrei; das que ainda estão para escrever a tinta invisível; das que nunca serão escritas mas estão lá; das que comecei e recuperei; das que recuperei em queda livre e perda de tempo; das que ainda não estou preparada para ler em voz alta; das que grito e se riem; da l i b e r d a d e com sinónimos de pôr-do-sol, arco-íris, mochila, olhar, pensar… Talvez nunca lá cheguemos até sabermos que os borrões da vida são muito mais importantes que os arquivos codificados que nos obrigam a criar. E se este texto é demasiado vanessiano para se perceber, não importa. É só um rascunho…

4 comentários:

Cris =) disse...

Muito bonito, minha querida.


Beijinhos e um abraço

Unknown disse...

Cris... um beijo enorme!

Anónimo disse...

Gostei princesa

Beijocas e abraços

Anónimo disse...

Um poema de Mario de Andrade

Os teus olhos distribuem
O que não existe no meus
As luzes que os meus possuem
São as migalhas dos teus

Quem gasta no amor vinte anos
Menos amor na alegria
Do que quem ama um só dia
E morre de desenganos

Teu sorriso é um jardineiro
Meu coração é um jardim
Saudade, imenso canteiro
Que eu trago dentro de mim

A semente dos teus olhos
Caiu no meu coração
Deu uma árvore de abrolhos
Deu uma fruta: a paixão