quinta-feira, setembro 14, 2006

Globalização, espaços siderados


T. disse que ela não era assim tal como se apresenta [e reivindicou a legitimidade de formar juízo sobre o assunto – afinal a infância ficou ali, naquele registo a preto e branco].
Suspira; retém-se na ânsia de falar num jeito extemporâneo – voz grave, alterada, e talvez aquela latinidade no sangue.
Melhor do que ninguém, a memória de ruelas e calçadas; pedras sujas; gastas, calcorreadas pelo andar grave do frenesim são o testemunho fiel dos cheiros, das gentes [ e a sombra das vivências despertas, alimento do tempo, portanto]. É que T. confessou-me. São Paulo não era assim: mesclada de tristeza no ar; de olhar cinzento; de bafos sonolentos, esbaforidos pela tinta dos prédios a estalar; de mãos enrugadas, secas, lentas, delapidadas. Conta ele que SP era mais europeia [na visualidade]. Sensível, cosmopolita; centro delicado de casacos de malha grossos, acometidos pelo frio intenso [abafado pelo calor dos gestos mais brandos]; e de passos mais certeiros e seguros. E de arquitectura nobre, delineada, alinhada com uma cidade frenética de pessoalidade. T. não tem saudades desse tempo; apenas gostava [talvez como eu, ainda no rescaldo do enraizamento precoce] que SP fosse mais humana; conservada das intempéries do desleixo; da demissão do alento de quem preserva; da rejeição do espaço público.
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