Não há nada de absolutamente incrível e digno de registo no ano em que nasci, a não ser o parto da MTV, - e passamos a fazer festas de meias de lycra, a ter palas com laca no cabelo e a fazer figurinhas tristes em frente ao ecrã da televisão- que Ronald Reagan e o Papa João Paulo II sofreram atentados, que a revista Tribuna Espírita foi lançada em João Pessoa, e que o Belize e Antigua e Barbuda ganharam o bilhete de identidade nacional.
Assim, assim. Um ano colateral na História do Mundo...
Anda para aí um grupo de nostálgicos a atrasar os relógios, a reivindicar os tempos de inocência, da isenção de responsabilidades, das imunidades da vida adulta e da crença absoluta de que a vida há-de chegar um dia, como a propaganda da Sumol. Ah, e tal: "um dia ainda hás-de pensar que as férias são para descansar", seguido de um "mantém-te original".
Só daqui a uns bons anos esta geração dos 18 e 20 há-de entender o alcance do "teaser" e há-de ter páginas pessoais e espécie de netos high high tech dos blogues actuais com frases desse género Sumol, relembrando em epígrafes, e saudadinhas, os tempos do Facebook (ih, aquela rede social arcaica), os canais pay-per-view (que coisa mais primitiva - e eu até acho que alguns serviços já hoje são, realmente, da idade das películas de celulose, com controlos remotos em slow motion para mudar o título dos filmes); e levar um estalo de luva branca com a percepção de que a coisa da idade é relativa. Que, afinal, hoje, alguém com 30, 40, 50 está no auge da orgia vivencial, uns jovens malucos, e que velhas são as nossas nostalgias. Desnecessárias.
Estou hoje bem melhor do que estava, ou era, há 20. Tenho vivido a mil vidas. Ao tempo o que é do tempo. Se é que ele existe tal qual o percepcionamos. A nossa ideia de movimento deixa-nos sempre um pouco desconcertados, porque andamos sempre ao redor de nós, das nossas realizações, e trazemos uma bagagem precoce do que queremos nesta vida. A elipse é constante. Há reminiscências lixadas. Há memórias que, por selecção, apagamos para seguir em frente. A matéria amassa-se e molda-se. Vamos moldando o barro à nossa feição.
Aprendi mais serenamente a aceitar factos daquilo que não mais de mim depende. E guardo o melhor da infância e da adolescência como aprendizagens e lições para prolongar a leveza da vida, porque o peso envelhece e amarga. Deprime. É desnecessário. Eu não tenho paciência prolongada (a redundância é propositada) para tristezas, embora seja sensível o suficiente para me entristecer mais do que o que gostaria. Alguns minutinhos, ou uma noite bem dormida, e depois faço uma dieta radical das coisas más, fazendo sol, para habilmente aliviar a balança.
Eis, entretanto, o que me ocorre de exclusivo como post scriptum a esta prosa e que me deixam no librar do tempo da isenção das responsabilidades: marmelada de nozes que só a mãe faz, geleia barrada em molete, leite com canela, Mokambo sem açúcar no leite, Nesquik, o som da máquina de escrever, sacas de pano para ir buscar pão, plasticina, poças de água, notas de 500 escudos, postais ilustrados, vinyl, cassetes (e fita-cola para as recuperar se rebentassem), Top+, Sem Limites, Portugal Radical, Tieta do Agreste, malmequeres, milho no celeiro, vindimas e comichão nas pernas, cheiro de mosto para bagaço, o cheiro da neve de Vila Real, nuvens na estrada do Marão, sopas de cavalo cansado, pão de chouriço, bolo de coco, barriguitas, triciclo, BMX, spectrum, mel para a tosse, lotus notes, MS-DOS, Amiga, Prince of Persia, Estrunfes, figos da figueira do avô, galinhas, coelhos, piriquitos, Monopólio, Sabichão, Bingo, VHS, Beta, Reflex, slide, tranças, cabelo à tigela, chocolateira e mais um ror de pontos características de uma mundividência vanessiana pelas viagens na minha terra. Hum: quanto de continentalidade há em mim?
2 comentários:
Legos, rabos-de-cavalo no topo da cabeça, banduletes, chiclets gorila,... bons tempos que penso, darem brilho ao presente e consequentemente ao futuro. Não seria a mesma, se não tivesse tido/passado por tudo isto.
Beijinhos =)**
:-) Eh eh eh... Totalmente Cris...Beijo enorme...
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