quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Dó-mi-nó



Quando era pequena não cheguei a ser devidamente instruída nos jogos sociais, mas fui fervorosa espectadora. Aos domingos à tarde, os homens da família reuniam em campo gerações masculinas para enrijecer a fibra para o futuro. 

O que é certo é que as diligências falharam. E hoje nenhum dos primos, ou primo dos primos, pais e avós praticam mais alguma dessas. A não ser eu: do sexo oposto, em pelo menos um dos jogos. Uma herege na possibilidade de salvar a honra familiar tendo inclusivé importado uma nova fórmula para o dominó...

Mas já lá vamos...

A malha era o recreio favorito do clã Antunes Rodrigues e Sequeira Ferreira: aqueles discos que pareciam moedas do tamanho da mão, pesadas, atiradas em direcção aos pinos, e o cair metálico na terra fofa, era caso para me alertarem frequentemente como se ameaçassem vomitar vísceras: 

-Sai daí rapariga que ainda te aleijas. Levas uma cocada nas pernas e há-de ser um ver se te avias!" 

Não adiantava muito, mas superei a prova da infância sem saber o que era um ver-se-te-avias a propósito da malha. 

Depois, havia a sueca: e aquelas estratégias todas que me faziam confusão. O avô sabia quem tinha o quê, o que já tinha saído, a quantos pontos ia, e os trunfos que cada um ia jogar. Digamos que ele era uma espécie de James Bond da aldeia, no jogo, com a sueca, a sua Bond Girl - é melhor escrever devagarinho para que a minha avó não leia. 

E, claro, ainda o meu favorito. O Dominó. Tradição passível de ser encontrada ainda em alguns bancos de jardim de várias cidades, praticada, sobretudo, por homens de idade avançada. Como por exemplo o senhor de alvo cabelo que entrou ontem na Tabacaria de Cedofeita para pedir um dominó novo. Qual não foi a sua desilusão quando ficou a saber que já não se fabrica dominó como antigamente (quem os tens que os guarde como relíquias). Os dominós de agora são placas homogéneas sem o polimento do rebordo, feitos em formas contínuas, com afiados finais no rectângulo. E aquele madrepérola virou um branco lixívia.

Doeu-me algo por dentro, pois, sem o prever, também eu, já passara noites brancas a jogar dominó, em São Paulo, com a Lu, a Carol, a Carolzinha e a Marta. Foi um ano difícil. (Ler isto com ironia), pois a Lu era, digamos, o meu avô. Ou melhor, tinha a verve do jogo igual à do meu avô. Enfurecia-se, sacava as estratégias e pelejava para a vitória, danada se a Carol começava a ganhar. Isso porque jogávamos dominó a múltiplos de cinco. Só assim pontuávamos. Caso contrário: siga peça para encaixe a zero. 

Comecei e a embalar-me naquilo e, no meu putativo perfeccionismo, levava mais tempo que as outras para sacar um solução onde o jogo parecia fadado ao zero para mim. Qual quê? Isso levou a malta a surpreender-se com a minha rápida recuperação...

Foram muitas noites, liquefeitas a boas rolhas, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Cabernet Sauvignon... Esses sim, cujas gotas encaixavam no palato, na perfeição. Fazíamos serão daquilo. Veio depois o Party, A mímica, o Trivial. E aquilo enrijecia a fibra cerebral. 

Mas o dominó continuou a estar na nossa barra pessoal de ferramentas no separador dos favoritos. Aqueles rectângulos, polidos ao redor, madrepérola, macias, sonantes em clac seco, quando tocadas umas nas outras, ou baralhadas na rugosa velha mesa de madeira da sala antiga das meninas. Som de lazer. Uma beleza! 

O tempo salta, o cuco soa, a vida roda e desde o Natal passado que importei o estilo dominó com múltiplos de cinco, ao contrário do mero encaixe de números praticado pelos meus antepassados. Ao princípio a estranheza estava plasmada na cara do avô, que mal começou a jogar logo aderiu à artimanha. Posso mesmo dizer que se viciou. Veio o primo, o pai, o tio e, ao redor, já toda a gente se tornava fervorosa assistência a dar palpites. A importação foi um sucesso, portanto. Hoje, o V., viciado em tudo o que é jogo, até joga o estilo no computador. A honra da família está salva, portanto, por uma mulher e a questão prova que, afinal, nem tudo o que é Made in China (como a origem do dó-mi-nó) acaba rápido.   

1 comentário:

Cris =) disse...

Oi!

Hoje vi um dominó muito parecido com os antigos em madrepérola nos chineses... lembrei-me logo do teu post =D

Beijinhos