terça-feira, fevereiro 15, 2011

Táxi Drive, à Hollywood, entre a Estação do Oriente e Lisboa intramuros



Nunca entrei num táxi sem antes olhar para a cara do motorista. Feeling, manias, ou simples intuição se sou capaz ou não de me deixar ser levada por um determinado rosto e não por outro. Sim, uma espécie de preconceito, mas que até agora tem funcionado como medidor de boas ou de más intenções. A manha, acredito, especializei-a em São Paulo, claro, numa espécie de Pós-Doutoramento prático, na circulação solitária em transportes urbanos. Instinto de sobrevivência: explicará algum ramo da neurobiologia, entrecruzada com os postulados da Psicologia. 

Há duas semanas estive em Lisboa. O lugar onde ia era longe "pr'a chuchu"; não havia tempo, as malas pesavam, por isso, a montanha russa do momento era aquele rolante cor-de-creme com um neón sexy e exclusivo dos táxis. Deixei que me passassem à frente duas vezes. Não, não. Aquele não era o cara. Vá-se lá entender a manha, ou como funciona este medidor químico. 

Veio o terceiro (para dar razão ao adágio popular) e lá engrenamos na conversa: tinha as indicações direitinhas: "por aqui e por ali; quando chegarmos mais perto digo-lhe melhor" e, assim vai, recheia-se o colóquio improvisado com amenidades, com o tempo, sobre a viatura, o GPS e o trabalho. A história principal veio por causa do tempo de chuva. Se não fosse a meteorologia - esse catalisador de conversas, um quebra-gelo indispensável para manter uma com estranhos - nunca saberia que o bom taxista, Ricardo (outra das manhas é olhar sempre para a carteira de registo do profissional), é actor de novelas. 

Vá: figurante. Vá: motorista de táxi nos filmes e nas novelas portuguesas. Se começarmos a reparar com jeitinho, atenção e olhar microscópico de quem vê como deve de ser, vamos perceber que em todas as novelas da SIC e TVI, e na maioria dos filmes, aparecem sempre os mesmos 5 taxistas, com contrato de exclusividade.

Ricardo, o diligente, falou-me que a Dalila Carmo é uma simpatia. Que o Ruy de Carvalho é uma figuraça, um homem de histórias fartas, à boca cheia, e que não come com o elenco, pois na mesa dos táxistas, os figurantes, há sempre vinho. O líquido de Baco há-de sempre ser outro dos catalisadores das boas conversas. Outro quebra-gelo, paradoxo até para uma bebida que se quer sem artifícios da água para não oxidar o organismo.

Daqueles de quem não gostava, Ricardo foi sigiloso. Queixou-se que as empresas pagam tarde, que perde serviço por estar 15 dias em filmagens; que já lhe avariou o carro; que tem de andar sempre com a mesma roupa por causa dos erros de raccord; mas depois lá deixou que o brilho lhe viesse aos olhos, como só os triunfantes sabem fazer: afinal, era um dos 5 taxistas que circula pela Hollywood alfacinha.

Quase no fim da viagem, tomou coragem e disse-me que a minha cara não lhe era estranha.

Respondi: - Deve ser da televisão, na vida real sou só figurante! (Risos) 

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