quinta-feira, fevereiro 03, 2011

O banho


Há-de alguém já ter escrito sobre isto. Não ouso ser virgem em assuntos tão mundanos como o banho e, sobretudo, porque já tenho algum tenro amadurecimento que me diga que nada se inventa, mas tudo se recria, ou se reinventa de uma outra forma, a partir de um princípio que pode ser semelhante para todos nós. Voltemos: o banho! Puro deleite. Há qualquer coisa de pueril nele, que me faz resgatar a infância. O Feno de Portugal, é infalível, segue-se o sabonete de Alfazema, purinho, na mnemónica sensorial... 

Já vos falei como gosto de banho? Adoro! Sou camaleónica, como se todos os dias precisasse mudar a pele. 

O matutino cai sempre bem (se não for gelado, como a minha mais recente experiência em educação inglesa) limpa as impurezas do dia anterior, regenera, liberta os poros das imundices e isso, e por aí vai, até ao ralo. Eventualmente, o banho da manhã limpa os fluídos da noite (bem) passada (bem mundana!), mas está prejudicado por uma inevitabilidade quotidiana. A pressa dele tem mais que ver com uma obrigação diária, porque temos que sair, ir à escola, trabalhar, ir-ir-ir e será sempre um ver-se-te-avias. Falta o desfrute q.b. Não há desfrute q.b. se não fizermos a coisa com calma. 

Há, ainda, o banho depois daquela corrida, o banho do amor, o banho de verão (quem nunca tomou uma mangueirada com calor, que se vergue perante a torneira de água fria para o castigo) o banho de imersão, que é o mesmo que pôr o corpo em banho-maria (com muita espuma, se faz favor, e algumas velas à volta, apaguem-se as luzes); o banho checo; e o banho de bacia, caso tenha falhado o gás, mas que haja chaleira que aqueça mais de um litro e dê para as partes que devem, obrigatoriamente, ser limpas, nas directrizes obrigatórias do cumprimento dos mínimos olímpicos da higiene diária. Na casa antiga, no terceiro andar, até o meu pai instalar um segundo depósito, a água falhava com frequência e a bacia foi, por isso, a nossa higiene de cada dia. 

Há, inclusive, sei-o, livros dedicados à história do banho, à história da tradição do banho dos povos, o banho turco, a sauna (dizem que é outra forma de banho), o banho húngaro, e quem não conhece a mui nobre e afamada tradição termal não é digno, sequer, de um esguicho de água.

E há o banho da noite. Chegamos ao ponto G, portanto. O banho da noite é o melhor, sobretudo o destes dias de invernia. O vapor da água na casa-de-banho, o corpo à temperatura ambiente, frio, a ansiar por um mercúrio mais infernal, o óleo pronto para a saída dele na prateleira, as gotas em cachoeira, borbulhantes, vaidosas dos centígrados ideais para aconchegar o corpo (quais furnas açorianas).... 

Depois, um leve escorrer que vai amaciando a derme, em êxtase, um aleluia jubiloso, como se as gotas, por si, fossem deuses redentores, salvadores da geografia corporal. E eu ali, naquele instante, a liquefazer-me, em versão diáfana. 

O cabelo, o primogénito na recepção da bênção vai agradecendo o milagre; haverá, certamente, pequenos Saravás a Iemanjá, enquanto as mãos já começaram a dança escorregadia pelo corpo, em busca do aroma ideal, condicente com o momento. (Sim, eu sei, ter mais de três cremes e dois sabonetes para variar é um exagero de esmero feminino, mas dizem os entendidos que não há salvação para mim).

O banho da noite, por isso, é o meu banho favorito, duração q.b., prazer, doce comprazimento que me enternece e me vinga das agruras da vida, dos problemas. Ele pode inclusive aliviar dor, auxiliar na fisioterapia das nossas preocupações, espantar o frio. Sem esoterismos, se me perguntarem o que tomo, já sei: banho nocturno, quentinho.     

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