Tu nunca foste mulher de conselhos e agora ela escreveu-te. Gostas mais de ser aconselhada, sabemos. Ou então finges não querer saber, blindando-te atrás de uma filosofia de botequim muito própria. Aquela que sai ao telefone, como consulta gratuita de madame Hilda.
E nós invejamos-te sempre mais um pouco porque sabes agarrá-los. Sabes de tudo isso, e fazes de conta que não, só para ouvires. E, depois, porque realmente não sabes como os agarras. É uma coisa que sai, como o suor dos poros em dias de sauna...
Queremos a tua fórmula secreta Hilda. Brincamos: vamos colar-nos à tua pele, besuntar-nos dos teus feromonas e sair por aí a ver se funciona. O isco, o isco. Ai, o isco, Hilda. Só pode ser isso. Eles correm e fluem na tua vida como resina. E tu a maltratá-los com astúcia e segurança, porque realmente não estás interessada. Aconselha-nos, pedimos. Ai, Hilda, como fazes para os agarrar asssim? Aos montes. Magricela como tu, que há-de homem querer de ti a não ser esse teu magnetismo, o charme, e esse teu jeito de não estou nem aí, para que te venham fazer soar o telemóvel em overdose. Nem lhes respondes. Um dia hás-de arrepender-te de não ter dado valor à fartura. Rogamos-te que nos contes o truque. E tu, nada!: sorris, abres os olhos ainda mais um pouco de onde sai um brilho translúcido que nos põe na dúvida se o segredo, então, não será esse olhar rasgado e profundo. Sabes olhar a alma. Vês além do óbvio e isso já faz a diferença. Um desconcerto que os atira para o sofá a quererem ser teus. Estás a ver?
-“Você tem um olhar poderoso, mulher. Você tem noção do poder de seus olhos?”.
Não sabes, mas vais sabendo mais um bocadinho. Foi D. quem te disse isso depois do teatro, lembras-te Hilda? Um Nelson Rodrigues ali esparramado no palco com o “Boca de Ouro” de um Rio corrupto, promíscuo e soturno. Batata!
Talvez seja isso, então, o olhar.
E agora que lhe vais dizer? Que lhe vais responder? Ela enviou-te a carta – e não se pode deixar uma amiga sem resposta. Vais dizer-lhe (pensa, Hilda, pensa...): - Que o peso dela é auto-comiserativo para mostrar a segurança que ela precisa? Que se solte...Age como se não devesses nada a ninguém. Mas nem tu sabes o que fazes!
-“Os homens não gostam de mulheres que não estão bem com elas. Querem-nas leves, sorridentes, autónomas, impositivas e seguras. Não têm paciência para as crises e as tristezas delas, em tensão pré-mestrual intermitente. Por isso, eles arranjam hobbies tão idiotas como puzzles de milhares de peças, aeromodelismo, tunning, e essas coisas. Há sempre a salvação pela pornografia. Tu sabes. Todos eles se contentam com as centenas de canais web para todos os gostos...
Eles têm pânico de ficar em crise... Ou, então: a arte do amor promíscuo, com uma amante!, ou, vá lá – noto agora aqui um padrão da minha obsessão – voltam sempre a essas coisas da net: embriagam-se de pornografia lesbiana ou de lolitas no chat...
Se a crise deles vier, arranjam forma de ter uma confidente, para garantir a escapada certa, e o sexo na certa!”. (Esta foi a Larissa que nos contou, depois que o argentino a trocou pela ex)...
Então, Hilda, sabemos: a segurança vem desse estado de felicidade acto contínuo que têm as mulheres de bem com elas.
-“Eu, sou, eu, sou.”
Um mantra milagroso que deveria constar de todos os manuais femininos.
E tantas vezes o repetiu ela. O mais importante, sempre, eu, e depois, ele, ou eles. A vida autónoma dentro de nós para podermos ser, com os outros. Para podermos ser nós, porra! Saquinho de chá é diferente de erva solta. Dá mais trabalho. O homem quer essa mulher pacote de chá, para não ter de a andar a coar...
Ah, a Hilda é impaciente com esse estado de protecção mulher-homem. Diz-lhe que ela lhe ligue, quando lhe apetecer. Sempre que lhe apetecer. Despudora e despretensiosamente: queres, sim; não queres, a vida é feita de estradas que levam a outros caminhos e eles continuam a ter terra batida, asfalto, paralelopípedos, lama, areia, gravilha... O ideal é que não esteja a chover, nunca...
Mas foste mais longe Hilda. Pela primeira vez respondeste-lhe...
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