terça-feira, fevereiro 22, 2011

Miau, directamente da Gatolândia!



O Ferreira Gullar adora escrever sobre o gato dele. Bom: há nele, diz, uma coisa de espanto. E ele só escreve quando há espanto. E há sempre o espanto com o bicho, com as coisas que o bicho faz, que o inspira para pensar na vida e, depois, por um mero acaso parir um filho em jeito lírico. Pode nascer poesia só de olhar para o gatinho. Dá-lhe leite, mimo, até que ele ronrone de regozijo. 

Às vezes, dou por mim a pensar que gostaria de ser um gato. Felino diligente, frio e com certo calculismo, a reivindicar mimo e a tomar banho de língua. Um gato doméstico. Sim, felino macho, porque as fêmeas são pachorrentas. 

A vida de gatos domésticos não há-de ser nada difícil. O dos meus pais, por exemplo, começa cedo a saga diária, mas quando quer, à hora que quiser, deita-se em qualquer recanto quentinho (concordemos que eles sabem escolher o lugar onde o lombo felpudo se deita) e esparrama-se até não haver amanhã. Olho-o e penso. Ah, também eu gato gostaria de ser. No cogito, ergo gatum sum. 

Não é bem verdade, mas por instantes, a vida de gatice poderia ser um momento de deleite do nadismo. Eu tenho um problema com nadismo. Não consigo estar sem fazer nada, sinto uma espécie de pulgas a percorrerem-me o corpo. Posso jurar que se entranham no couro cabeludo. Talvez, por isso, o nadismo não me tenha pegado, como apanhou o Alf e muito boa gente no Brasil. Seria, talvez, um gato hiperactivo.

Tal como dizia, a saga do Junior começou cedo hoje. Como o expulsasse ontem do quarto, refastelou-se a dormir na sala durante a noite (ainda me arranhou a porta a ver se vacilava) e às 9h da matina, já me atacava as folhas de papel que saiam da impressora como se pelejasse implacável contra um desconhecido inimigo da Gatolândia. Assustava-se um pouco com o barulho dela, mas mal as folhitas saltavam ele estava pronto com a pata para desferir o golpe final. 

Berrei-lhe a ver se ele parava com aquelas fitas. Depois, impressas as folhas para as aulas de Literatura, miou em direcção da porta para que lha abrisse, como quem diz: "Está na hora de me adestrar na selva lá fora. Humana Vanessa, abre-me esta porta, agora". Qual serva obediente, abri a porta a Dom Gato, um tal de animal irracional. Ele voltaria ao chamamento da minha mãe, à hora de almoço, e, agora, dorme que nem um abade na parte detrás do meu computador, portanto, na minha secretária, onde lhe dá o sol no lombo, enquanto pauso o trabalho para escrever sobre sua Excelência. 

Ouço-lhe o respirar e observo a cabecita inclinada numa caixa de CD que lhe serve de almofada. Não se queixa e até parece faustamente confortável. Nunca saberá que escrevi sobre ele. Que teve ele, também, o seu quinhão de fama, por instantes no mundo virtual. Mas não importa. É essa a tirania do gato. 

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