Acho que estou a ser seguida. Evito olhar para trás, para me aliviar de uma certa paranóia, mas começo a desfazer as dúvidas, como se esmagasse conchas nas mãos. Sinto suores frios, ventos pessoais, arrepios na espinha e borboletas no estômago.
Há uma conspiração contra mim, digna das mais exímias investigações policiais. Não se pode, por isso, integrar na equipa aspirantes a inspectores da PJ ou detectives amadores, por mais conceituados que sejam - e mesmo já consgrados pelos jornais, nas páginas dos classificados. Alguém me acuda!
Há uma conspiração contra mim, digna das mais exímias investigações policiais. Não se pode, por isso, integrar na equipa aspirantes a inspectores da PJ ou detectives amadores, por mais conceituados que sejam - e mesmo já consgrados pelos jornais, nas páginas dos classificados. Alguém me acuda!
Sim, há, pois, uma conspiração brasileira contra mim. A todo o lado que vou, há brasilidade a espreitar-me. No metro do Porto, sempre há uma conversa com gingado na Língua, na rua, haverá de aparecer um suor a "tudo bom, por gentileza" a perguntar-me as horas; o filme "Palavra e Utopia" (Manoel de Oliveira) de ontem era sobre o Padre António Vieira, no Brasil (com o Lima Duarte quase no leito derradeiro); o meu irmão insiste em fazer um sotaque retumbante e ridículo à hora de jantar para dizer que sabe falar português do Brasil e, de vez em quando, ainda me saem uns gingaditos sambados da boca. Oi?
Mas o caso mais crónico que prova a teoria da conspiração brasileira foi há mais de um mês. É como a jabuticaba: só é boa, quando amadurece. A percepção das coisas é como a fruta. Era manhã a meio, alguma chuva, a estação da Trindade quase vazia, eu sentada nos frios bancos de granito, quase no fim da linha da estação a já querer ser Lapa, e um senhor de madura idade a arrastar os pés na minha direcção. Como ele se aproximasse e foi como que sentisse que ele haveria de me dirigir palavra.
Veio, vagarosamente e perguntou-me se o metro para a Póvoa ainda ia demorar. Expliquei-lhe que não sabia dizer, que o placard anunciava os próximos metros, dissertou um pouco sobre como antes era possível ver os horários dos comboios e agora não, mas que o metro era uma coisa boa. Falou que estava mais lento desde uma operação. Que convalescia. Até que lhe ocorreu comparar o metro do Porto ao METRO de São Paulo (estão a ver, né? Qual era a probabilidade de um senhor de tenra idade me falar do metro de Sampa, onde vivi 5 anos? "Aqui há gato", pensei.)
Veio, vagarosamente e perguntou-me se o metro para a Póvoa ainda ia demorar. Expliquei-lhe que não sabia dizer, que o placard anunciava os próximos metros, dissertou um pouco sobre como antes era possível ver os horários dos comboios e agora não, mas que o metro era uma coisa boa. Falou que estava mais lento desde uma operação. Que convalescia. Até que lhe ocorreu comparar o metro do Porto ao METRO de São Paulo (estão a ver, né? Qual era a probabilidade de um senhor de tenra idade me falar do metro de Sampa, onde vivi 5 anos? "Aqui há gato", pensei.)
- Como?
- O metro de São Paulo. É enorme. O do Rio também. Gosto muito de andar no do Rio, mas o de São Paulo é muito grande.
Ainda meio aturdida, condescendi a conversa. Dei trela.
-Conhece bem São Paulo?
- Então não? Os meus filhos moram lá. Volta-e-meia lá vou eu. Duas vezes, por ano, claro, que depois vêm eles.
-Ah, bom! É que eu morei 5 anos em São Paulo.
- Não me diga! Olhe que coincidência.
(Aqui, confesso, tentei descortinar através de métodos psicológicos de observação, para aferir o quão espontânea era esta reacção e perceber se desvelava a mando de quem aquele idoso me espiava e seguia, ainda que a passos lentos.)
- Sim, pertinho do centro.
-Ah, onde?
- Morei em tantos sítios que é difícil enumerar, mas recentemente estava perto da Avenida Paulista. Mas já morei em Vila Madalena, Perdizes, Pinheiros, no...
- Ah os meus filhos moram em Pinheiros, bom bairro. Até acho que me lembro da rua é qualquer coisa com Valente. O Calote Valente? Valente...
Já meia desconfiada por aquela cabala se estar a unir numa espécie de dose a mais de coincidências deixei que ele encontrasse lá o nome, não fosse eu influenciar a solução, desviando-a da verdade...Até que..
-É isso. Já me lembrei: Rua Capote Valente....
- Ah, que giro. Também morei na Capote, mesmo do lado...
- Da praça Benedito Calixto...
A teia estava montada. Se houver um Rubem Fonseca ou Garcia-Roza disponíveis, que venham em meu auxílio...
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