"No Domingo de Ramos, lava os teus panos porque na Páscoa da Ressurreição os lavarás ou não". Não se deve, pois, contrariar a sabedoria popular, ainda que a discussão sobre a alternativa"lavarás ou não" dê pano para mangas. Ou uma coisa, ou outra. Fifty-Fifty.
Mas o que a minha avó realmente quis com isto dizer, hoje ao almoço, recordando o adágio popular, muito apropriado para a época, olhando lá para fora, vendo a chuva copiosa a regar o jardim e gotejar no vidro, foi que se não os tivesse lavado no Domingo de Ramos, esta semana estaria bem tramada para que secassem.
Logo depois, o meu irmão soltou um "ah agora entendi" pois a mãe tem andado em azáfama diligente desde há duas semanas, lavando cortinados, carpetes e alcatifas como se não houvesse amanhã, ou encenando, quem sabe, um novo episódio de "Donas de Casa Desesperadas".
Surge isto e lembro-me, lindamente, das duas semanas que antecediam a Páscoa há uns tempos. Ora, eram semanas em que eu, pré-adolescente, ajoelhava no taco, de pano nos joelhos, qual dona de casa incauta, penitenciando todos os pecados do ano, e rogando pragas à Páscoa, a um deus que nenhuma compaixão por mim não tinha, ali ajoelhada em labor caseiro.
Pois, anualmente, esta era a época de encerar e polir o taco de casa dos meus pais, no 3º andar, numa já longe pré-adolescência, parece. Primeiro tirava-se alcatifas e carpetes. Aspirava-se, lavava-se o taco com água e sabão, deixava-se secar e então é que começava o martírio.
Lá punha eu pano no chão para os joelhos, que horas depois haveriam de ficar autênticas nódoas negras (fiz batota e usei, certa vez, as joelheiras do voleibol), mais roxinhas que o pano da Paixão de Cristo, que por estes dias há-de adornar as igrejas mais tradicionais com chancela Católica Apostólica Romana. Aquilo dava, ainda, músculo nos braços e eu ficava, ao fim do dia, toda partidinha.
O pano melava-se de cera âmbar e pastosa (as mãos ficavam sebosas, por isso o melhor era usar luvas), que havia em latas que sobrasse na dispensa da casa, e o cheiro ia-se entranhando à medida que o unto se agarrava à madeira do taco, depois que eu, em gestos circulares e firmes, passava pelo chão.
Horas depois e a missão estava quase cumprida e eu, em vez de catárse feita pelo cansaço, ainda bufava de raiva por não estar na rua a aproveitar as férias da Páscoa, a andar de bicicleta, ou até mesmo, quem sabe, a brincar ao bate pé (eu sei que este post não ia ter sacanagem, mas escapou-se-me) e outras amenidades que a pré-adolescência sempre acarreta (e logo eu, a chata, que não passava do passou-bem)...
Depois, o dia seguinte iria ser um desafio para a lei do ruúdo, mas já era a tarefa que eu preferia, embora nunca a mim me calhasse: a enceradora terminava o serviço, deixando o taco num brinquinho.
Hoje em dia, os meus pais mudaram de casa e descobriram o verniz, embora a minha mãe diga que não é a mesma coisa. No entanto, parece-me muito apropriado e conveniente que tenha sido o verniz que me tenha salvo os joelhos, nos últimos anos.
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