Estava eu muito diligente a transcrever uma daquelas longas e chatas entrevistas (e, sim, eu ainda funciono muito à moda antiga de caderno e gravador na mão - até porque, sei lá, nunca se sabe o que uma menina da rádio pode fazer, no futuro, com sons; há-de haver aproveitamento), quando a Hilda me interrompe no bate-papo do gmail.
-Van, cê tá por aí?
Não, eu não estava, estava em modo "invisível", dedicada à arte da transcrição, ou a desgravar, no rigor da língua, mas não tem como dizer não à Hilda, né? As histórias dela são sempre deliciosas e eu, viciada em histórias, não posso vacilar, correndo o risco da maldição de um dia ficar sem elas e passar mal. Posso passar muito mal, e isso só daria em síndrome de Lima Barreto, terminando em hospício. Ó Pessoa, traz o ópio, pá!
Depois, como contava, ontem, ao J. adoro histórias de pessoas que saiam fora de mim, i.e., que vão além de mim, a universos tão diferentes dos meus. Que me levem onde eu nunca iria sozinha, por voluntária opção. É como se vivesse, então, várias vidas na pele dos outros, experimentando, mas sem os efeitos colaterais e intrínsecos, como pode ser o de fazer uma tatuagem e não gostar. huuuu!!!!
- Van, você não vai acreditar. Tô muito louca estes dias. Ou melhor lôquinho! virei homem.
- What?
- Verdade. Tô me inspirando para uma nova peça de teatro que tô bolando. Vou escrever e encenar.
- Hilda: me conta isso direitinho que não tô entendendo muito bem. Como assim você virou homem? Um mulherão que nem você, me parece muito difícil virar homem. Você é super feminina, e esses peitão não enganam ninguém, ne!
- Nada que uma boa maquilhagem e disfarce de figurino não disfarcem. Van, você tá falando com a profissional do disfarce. Então, olha só: me andei informando com os meninos. Fiz uma pesquisa e pus em prática: aprendi a coçar o 'negócio' com os melhores caras, sem machucar com o zipper, dei cantada na mulherada, que me achou um docinho de macho, chavequei dondoca da zona sul, tomei todas na calçada do posto 9 de seu joão e acabei caindo na Gamboa em casa de mulher da vida; e ainda consegui enganar transeunte na rua, fingindo saber a arte de pichar parede com aquilo que você sabe; ainda tive tempo para escrete no Flamengo, subi o morro para sabadão de feijoada, trabalhei em lava-jacto, como taxista. Van, se liga no negócio que o papo é federal.
- E você andou sozinha?
- Claro Van, ninguém desconfiou. Só um probleminha.
- Então, fala logo, que aconteceu?
- Ismael brigou comigo e me deu um chute esse final de semana.
- Como assim? Por causa de você virar homem? Você não contou para ele?
- Não, Van. Para ser real ninguém pode saber. Mas o bagulho não foi esse não. Ele brigou comigo, não deixou sequer explicar por isto: - Quem era aquele cara que entrou em sua casa às cinco da madrugada e acendeu a luz de seu quarto? Aí deixei cair o telefone na privada, de novo, sem querer! Tá ligada no problema?
-Tô Hilda, Tô. você quer que eu ligue para ele né?
-Van, você não se importa?
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