domingo, março 13, 2011

Hilda, o equilíbrio



Uma pessoa atravessa o Atlântico e parece que traz com ela a tristeza dos outros. Uma pessoa, faz ao contrário e parece que carrega de novo a melancolia dos outros. 

A Hilda tem dias em que parece que carrega o peso dos outros mais o seu. Há-de ficar com um crónico problema de costas, ou a fibra lombar cederá mais rápido, que nem tudo se aguenta a analgésicos e paninhos quentes. Já lhe disse para se cuidar. Já lhe disse, inúmeras vezes, que ninguém merece arrancar-nos energia assim. 

Se passamos o tempo inteiro a levantar os outros, mais depressa cairemos nós. Se passamos a maioria do nosso precioso tempo a injectar auto-estima e adrenalina nos outros, havemos de querer enfiar-nos na cama para dormir mais depressa, para que o dia passe, o peso adormeça até ao dia seguinte, e nos sintamos um pouco mais rejuvenescidos do cinzento alheio. 

Mas ninguém aguenta tanto, Hilda. Ninguém aguenta anular-se assim, mostrar que tudo está bem, engolir rudezas e ausências de carinho, quando dás tanto. Ninguém aguenta estar sozinho, estando acompanhado. Estando tão mal acompanhado. Já te disse Hilda. Mas tu retrucas que nunca foste boa na escolha dos afectos. Falaste-me em dedo podre para escolher. Não te recrimines. Amacia com generosidade, e ensaia a presunção da inocência. 

Eu sei que te digo muitas coisas que tu sabes, mas que não consegues encontrar a fórmula que te permita dar-lhe prática no dia-a-dia. Estás em casa, agora, por exemplo. Na inércia do desafecto. Estás em casa, a querer dormir, apagar o dia, com os olhos a quererem jorrar água salgada, mas não consegues, porque estás envergonhada de ti, o suficiente, para teres a certeza de que deixaste que te tirassem a energia. Deixaste que te tirassem o equilíbrio, quando tinhas prometido que não irias deixar fazê-lo. Demora tanto para chegarmos a esse estado. 

Por que é que deixaste? Por que perdeste o equilíbrio Hilda? A demasia dos afectos é uma overdose que leva à perda de fôlego saudável. Respira. A uma anulação que te pesa, te faz cair e desejar adormecer até ao dia em que tudo passe. Para te regenerares mais um bocadinho e arranjares forças para o equilíbrio. Para não deixar que te roubem o equilíbrio de novo. É um volte-face, Hilda, eu sei. Eu avisei-te. Tu sabias. Mas estou aqui, de novo, para o que precisares. 

Protegeste-te até teres uma incerta certeza de que valia a pena voltares a cair de novo para viver. Tiveste provas disso. O salto inesquecível que palpita de vida. Só assim valeria a pena, disseste. Quando tiveste a incerta certeza de que valeria a queda, porque alguém estaria ali para te apanhar ao colo. 

E, agora, caíste, pelo excesso, pela demasia. E, quando viste, havia um vazio no final e nem uma sombra para te amparar. Eu estou aqui, Hilda, se quiseres. A uma certa distância, a praticar também a arte do funambulismo com alguma perícia e cansaço e, também, eu não estou certa - porque receio olhar lá para baixo; em frente, respirando, está uma certa superação - se haverá braços suficientes para me amortecer o corpo, caso não chegue ao outro lado da corda. Hei-de chegar Hilda. Havemos de lá chegar!

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