Eu choro, enterneço-me, arrepio-me, rezo à minha maneira, se é que isto é rezar, ou lá o que isso significa, comovo-me, revejo-me no lugar dos japoneses que perderam familiares, casa, um pouco de vida, vivem um sufocante agora e amanhã e, depois, sob uma ameaça nuclear, ali ao lado, a qualquer momento, depois da devastação do tsunami que praticamente tem engolido o norte do Japão.
Passo por todo esse processo diário de catárse, de querer saber, pelo que leio nas notícias, pelo que vejo nas agências de fotografia internacionais, pelo que ouço na rádio, pelo que vou vendo na televisão e nos vídeos online. E parece, no entanto, que isto tudo não é suficiente, como se percebesse que nada pode reflectir a dor, o sofrimento, a angústia e o choro engasgado que aqueles seres quase impávidos e serenos que vemos nas notícias, escondem. Alguém ouviu o sofrimento? (Não o desejo, mas há um silêncio atípico. Alguém se apercebeu de grandes manifestações apocalíticas dos japoneses, a não ser ordeiras filas para gasolina, supermercado, por ora, e para tentar ir para algum lugar?
Impressionou-me hoje, por exemplo, uma imagem em que um homem protegido da ponta do cabelo à ponta da unha dos pés, com um fato especial, anti-radioactividade, estava com uma ferramenta qualquer a medir níveis radioactivos (dez vezes acima da média tolerada, embora a Cruz Vermelha assegure que "não há problema"), numa menina ao colo da mãe (presumo), com uma máscara na boca (daqueles que nos habituamos a ver, em 2009, quando o vírus da gripe H1N1 andou por aí a viajar pelo mundo).
Impressionou-me o modo como essa pequena olhava para a lente do fotógrafo, apática, indiferente ao homem e à ferramenta, curiosa por entrar nessa lente, e com uma acerta anestesia pelo mundo ao redor. Podemos dizer que é medo, ansiedade, um jeito de defesa pelo pesado fardo que a natureza lhe deu. Podemos alegar tudo isso, mas o rosto dela é uma síntese do rosto dos japoneses.
Como é que um povo, num apocalipse como este - sob o risco de desaparecer num estalo de dedos, sob a guilhotina radioactiva, de um novo sismo, de uma epidemia, de um caos, num estado de excepção - consegue pois manter uma certa e desconcertante calma? Fazer desse estado de excepção um pseudo-estado-zen. Não saberei dizer o que isto significa, haverá muitos que dirão que é uma extensão da cultura de progressão anterior, e também de uma certa subserviência e resignação da factualidade.
Ontem, por exemplo, uma senhora num abrigo, no início de uma entrevista com uma jornalista estrangeira disse: "Claro que posso responder-lhe. Muito Prazer em conhecê-la". Ao redor, colchões alinhados num polivalente, e rostos cabisbaixos. Em silêncio.
Depois, tenho um receio maior. As repercussões que este desastre natural terá para todos. Não há nada no mundo que esteja dissociado do nosso quotidiano. E, afinal, o Japão é a terceira maior potência mundial. Mas não me atenho ao impacto da já débil economia mundial (e seus quocientes capitalistas), mas sim às repercussões que estas ondas radioactivas podem ter para nós, e os fios invisíveis que estão na senda de uma catástrofe assim.
Este 2011 está a acordar pesado e conturbado. Amargo e com sabor a ruptura. Este 2011 começou muito esquisito (e também não sei se as revoluções em alguns países árabes há-de boa coisa ser). Este 2011 ando muito barulhento, mas há silêncios nele, que não conseguiremos nunca decifrar, e são os mais perigosos.
Desejo, do fundo do meu coração, do meu enternecimento, da minha solidariedade, que os japoneses e suas famílias tenham o auxílio e a força necessários para reconstruir este 2011.
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