Fernanda (I)
Há sempre aquela luz que se entranha nas paredes, passa pelas frinchas, pelas persianas, entra nos elevadores a partir do primeiro andar até ao sexto e, depois, se fixa no chão de tijoleira. Há sempre a luz. Aquela luz. Não fosse ela, não teria ali entrado. É a mesma que nos entra à hora de almoço no refeitório. A mesma que a Fernanda Teles, antiga funcionária fabril, usa para fazer os seus crochés no quarto do terceiro andar: para as almofadas, os peluches, as mesas, as toalhas, as bonecas. Ou cúmplice necessária para aquele ponto de linha-agulha de roupa necessitada. Essa luz não lhe basta.
Anda doente, mas não quer falar sobre isso. A rejeição é isolamento auto-inflingido. A dela, para si, auto-comiserativa. Não quer sair do quarto porque não quer ouvir falar de problemas dos outros. E de doenças. Muito menos ter que falar dela. Há coisas na vida que já não vale a pena falar, mas aceitar. Depois que chegamos lá preferimos o silêncio. E a luz. O resto é melhor reinventar no que se pode. Ela fá-lo de cada vez que olha pela janela. Gosta de as ver passar. Vê mundo. Vê a vida pela janela do quarto e fica mais bem-disposta.
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