Hoje estou
particularmente atenta às pessoas. Alerta, para ser mais rigorosa. Porque me incomodam. Como se tivesse acordado com pele
hiper-sensível, que se estende aos olhos, às mãos, aos
ouvidos, ao nariz, aos estímulos eléctricos que chegam ao cérebro.
E tudo isto me dá cansaço, me tira energia, me atira para uma
letargia que não quero sentir. Estou zonza. Desperta a tudo. E cada
gesto é um golpe de que me tento defender. As pessoas que fumam, as
que atravessam a rua, as que brincam com crianças, as que atravessam
a rua, de novo, as que passam de carro, vão e voltam, correm, riem,
saltam, namoram, dão passos largos e largas passas num cigarro, no
burburinho, nas falas sussurradas que se tornam ruído, seguram
tabuleiros com bolos de chocolate fartos, se beijam...
Tudo em
simultâneo, enquanto vidas individuais acontecem no coletivo. É um
frenesim concomitante, como todos os dias, quotidianamente renovado, vivido, como
animais pavlovianos. Mas hoje algo acontece e eu não sei o que
aconteceu. Escrevo tudo isto com uma certa tontura. Tontura de clima:
este calor? Será o ar que está impuro? A água contaminada, o
queijo estragado, a maçã azeda; e não senti?
Penso isto, e as pessoas passam, todos estranhos, os outros, como o são as más companhias para os nossos pais, os filhos dos outros, nunca nós, e ocorre-me a
conversa com o Rubim: o amor, o medo, a gratidão, as vidas obscuras
de cada um. E eles a pensar que tudo isto, este nada, não vale a
pena. Ocorre-me isto e penso, inevitavelmente, em Sassetti. Eu não
quero pensar nele, mas penso muitas vezes. Penso neste peso irreal que nos transcende, concreto da fugacidade dos dias, do tempo. Penso na alegria, na
pessoa feliz que sou, grata e em toda a impossibilidade de explicar
tudo, na aceitação de factos; no bosão de Higgs, na inutilidade
dos objetos, na inutilidade das revistas cor-de-rosa, no recreio mediático sobre a Licenciatura de um Ministro
e na capa desta semana de uma revista reputada: os EUA morreram? Eu sinto que tudo isto já
aconteceu, outrora, quando não existíamos, e os nossos velhos
sonhavam com i-phones. Voltará a acontecer, quando não existirmos, e alguém há-de pensar que o futuro já aconteceu.
Fico com a sensação de que todas estas
preocupações são universais, já foram (não seríamos nós, seres bizarramente excêntricos para os nossos antepassados?), servem-nos de mistelas high-tech e
ilusões capitalistas e entorpecem-nos (e nós deixamos) e, também
por isso, falhamos o verdadeiro pulo humano: saber como estarmos perto
de nós, da nossa natureza e transpor isso para quem virá, não sei,
para que faça algo que realmente valha a pena construir, para que
saibamos por que razão isto que sinto é um lento e constante
dejá-vù. E que construir alguma coisa signifique não deixar que
enquanto uns se deitam, por agora, nas praias de Verão, deste lado
do globo, outros se deitam em córregos de sangue, numa Síria tão
perto.
Sei que tudo isto até
aqui soa a filosofia de botequim-deve sê-lo de verdade-, talvez
porque todos os gestos me incomodam e há suspensões do pensamento
que me levam a considerar que se há um fim, zás, agora estou daqui
a pouco não estou, ou o que o Rubim diz, por outras palavras, ser o
estado do não garantido - por que razão temos um ciclo transitório, existimos. Eu sei, todo este latim não vale nada, que bem posso ter acordado num outro planeta. Pior, no entanto, é perceber que esse mesmo planeta, é o meu próprio corpo. Eu juro que não ando a ler Kafka, muito menos a tomar Ayhuasca.
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