José Rodrigues Miguéis (JRM) tem um dado curioso neste surpreendente e filosófico policial, "Uma aventura Inquietante", sobre a condição de um homem a lutar, em cárcere, pela liberdade, com argumentos e lucubrações sobre a sua inocência, levantando metódicas dúvidas, como que lançando pó de cinza para que os olhos dos carrascos acusadores vejam, mais lúcidos, a verdade. E ela pode ser mais transparente e óbvia quando um homem está turvado, percebo.
Tem, pois, este livro de 1958 vários dados curiosos e brilhantes, além da cerebral prosa que denuncia um homem formado na tábua do direito, na síntese da jurisprudência, já que o enredo, amortecido por sólidas formas estilísticas da riqueza da língua, como o parodoxo, é puro exercício de lógica a escorrer.
Tem, claro, outras mais, mas enquanto a chuva escorrega sozinha, gotejando a querer ser gelatinosa no reflexo do vidro e faz aquele barulhinho que é embalo meditativo - e também um pouco chamativo de uma certa sonolência - nada me deixa mais animada do que as datas dos capítulos.
Poucos são os escritores que nos dizem em que dia e ano escreveram aquele determinado capítulo. E JRM era um homem de fôlegos rápidos, pois escreveu vários deles, ou na "mesma madrugada" de uns e outros, ou na "mesma data" daqueles e tal. O livro "Uma Aventura Inquietante" - nesta 5a edição da Editorial Estampa (1982), que nas mãos tenho - indaguei, folheando até ao fim, antes de o terminar, tem 278 páginas de brilhantes raciocínios, técnica de suspense e inteligência da psicologia de um homem (tão actual quanto o jornal da próxima semana, por exemplo). E foi escrito em pouco mais de três meses. Creio que quatro dias foram necessários para devorar esta prosa, pois o pano, adivinho, fecha hoje à noite, quando encerrar as poucas menos de 50 páginas que me restam.
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