É uma alucinação, mas também pode ser a vida a acontecer com a intensidade de um desvairo, se bem que o deslumbramento deixa este tipo de efeitos secundários. É um fôlego só e podemos ficar sem ar. Pelo menos sinto o pulso, ao ritmo de um trote. Respiro.
A leitura de "A Baía dos Tigres" (1999, Dom Quixote), do jornalista-escritor Pedro Rosa Mendes, é lugar marcado no jipe maltrapilho onde viaja. Estamos lá, como num teletransporte que a mente sabiamente faz, na maestria da literatura.
Chegamos a passar fome com ele. Há frio. Há medo. E o medo tem cheiro. Cheira a pneu queimado. Cheira a cacimbo. Cheira a homens sem rumo. Até chegamos a ser irascíveis com o interrogatório. Há a política vertida a sangue.
Chegamos mesmo a desesperar numa angústia, no vazio da tenda, e não estamos isentos de ser levados por essa alucinação. Arfamos. Respiramos acelerados como numa corrida voraz.
A escrita é rápida, seca. A vida lenta. E na lentidão da vida acontece o inesperado, enquanto o nada pode ser ruído. O nada é vida cheia. O silêncio de vida suspensa tem esse feito.
A escrita é rápida, seca. A vida lenta. E na lentidão da vida acontece o inesperado, enquanto o nada pode ser ruído. O nada é vida cheia. O silêncio de vida suspensa tem esse feito.
"A Baía dos Tigres", essa viagem de literatura vivida, da costa de Angola à contra-costa de Moçambique, na travessia lenta de um tempo que se perde nos dias que ele deixa de contar. Atravessamos o sul do Congo, galgamos a Zâmbia, o Zimbabwe e Malawi. Passamos, sim, todo o tempo carentes de comida, a comer arroz com açúcar e abrimos a última lata de salsichas, no luxo do aniversário do Pedro.
Talvez, por isso, há, neste livro, uma economia de palavras. Exercício jornalístico para falar de muito, escrevendo pouco. Poucos o sabem fazer.
Vejo a página 105 (enquanto há Portishead ao redor, no ar, na minha vida real); há outras 300 e tal para comer, devagar. Já precisava respirar, porque o Pedro quer-nos de uma vez nesta asfixia, num nó górdio. E já sinto o buraco no estômago, o busílis do devaneio. Preciso parar um pouco porque tenho pó nos olhos; as botas corroídas pelo ácido do motor; e o jipe vai em primeira para fazer apenas 12 quilómetros, porque de novo, o imprevisto mecânico atrasa-nos a mobilidade.
Há homens trôpegos. Macacos a comer maçãs, como quem goza com a fome de um homem. E um homem com fome é uma fera.
Há homens trôpegos. Macacos a comer maçãs, como quem goza com a fome de um homem. E um homem com fome é uma fera.
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