quinta-feira, outubro 27, 2011

Quando os lobos uivam

Tenho um fascínio por lobos. Cheguei mesmo a esboçar o que seria o início de um romance, há uns dez anos, num arroubo juvenil de optimismo, onde os lobos apareciam com um simbolismo qualquer que agora não me ocorre. Não saí do segundo capítulo e era empreitada a mais para a tenra idade, até porque queria falar das agruras da velhice e da vida sofrida no campo, rugas essas que não tenho e pretensiosismo evidente para o vício da minha urbanidade. E mesmo quando, e se as tiver, exilada e a olhar o lírio dos campos, nada garante que tenha dedos sábios e sagazes q.b. para desfiar tamanhas linhas e juntar os retalhos do património da cabeça. 


Pois gosto de lobos, com certeza, mas se me puserem perto desse pai genético do cão, fujo a dois pés, pois os cinco a mais de que fala o adágio não consta da biologia deste corpo. 

E falo de lobos porque hoje, já que tenho saltado da cama com a aurora para cumprir os máximos olímpicos do dia, regressei aos clássicos gregos e, agora, em pausa (além de ser pouco bibliófila -porque adoro sublinhar - excepto estas edições que são um luxo- gosto de intercalar leituras) peguei no adiado Aquilino Ribeiro, "Quando os lobos uivam", numa edição de 1984 do Círculo de Leitores. 


Esbarrei com uma coça de vocabulário de Língua Portuguesa. Tropecei num território para nobres e eu ainda sou plebe. Entusiasmada, pus-me, como disciplinada pupila, a folhear virtualmente os dicionários online. 


Pois.... quase todas as palavras não constam, mas estão gravadas nos velhinhos dicionários cá de casa. E, sim, são palavras que merecem sentar-se na cadeira da actualidade. Não sei se pela frugal ruptura, quase litigiosa, que a maioria de nós tem hoje com a Língua, ou se por esquecimento, ou desuso, estas palavras não constam para consulta na internet. 


No entanto, qual pulga escondida atrás da dita, fui ao dicionário Houaiss procurar uma palavra cuja sonoridade me agradou, embora fosse facilmente inferível (outra palavra que a Porto Editora não reconhece online): "precaucioso". 

De imediato, pensei no "precaucious" do inglês, claro. E, como todos os escritores têm os seus vícios estilísticos, de linguagem, e de auto-expressão vocabular, no brasileiro Houaiss aparecia nada menos do que um exemplo a partir da prosa de Aquilino Ribeiro para designar a palavra. 

"Os rapazes, que compunham o elenco, procediam no estudo dos papéis e nos ensaios como os alquimistas em matéria de pesquisas quanto à pedra filosofal. Cercavam-se do mais precaucioso sigilo." ( Aq. Ribeiro , Luz ao Longe , c. 8, p. 165, ed. 1949.) 

Pode até ser uma tontice, mas ao discorrer horas a ler autores de exímio domínio da Língua Portuguesa como Aquilino, Eça, Garrett, Camilo Castelo Branco, Cardoso Pires, Torga, Miguéis, Namora, Pessoa, e apenas para enumerar alguns - e porque conheço muito mal a literatura portuguesa no feminino - há algo de alquímico: ganhamos tempo.

Sem comentários: