Não sou eu quem escreve. Ou pelo menos não ouso dizer que sou. A grafia que preenche um certo vazio - acre e grosso tacter - porque escrever é sempre preencher um nada que ali está: o branco do papel, da tela, endógeno, que, às vezes, pode bem ser um negro profundo que a escrita arranca para a luz, a lucidez.
Escrever é sair do delírio, ou entrar nele. Esventrar terra alheia, uma geografia virgem. É uma porta bem aberta que usamos para fechar-e-abrir-e-fechar....
É esta tempestade. Este vento. Esta água furiosa que ruge, ribomba. É o colosso que nos faz sentir o peso da pequenez. É toda uma montanha que não conseguimos abraçar.
Um desterro, um exílio, uma solidão forçada que nos faz companhia. Um amante fiel que dialoga com o que vai dentro.
Um desabafo silencioso, oxigénio, bátegas obesas, uma bolha inchada-inchada que nos arranca e explode, etérea. Escrever é voar: tornarmo-nos seres dissipados, borboletas que perdem cor, enganando a lagarta; um casulo apertado, uma garrafa de H20, um mergulho que nos esconde as lágrimas.
É, assim, tanto mar.
Suor que nos cura tudo, tenaz médica, divã, uma faca de gume afiado inaudito - nunca ninguém viu uma tão laminada, excessiva, pusilânime no corte; é o primeiro fôlego depois da mordaça, é traição.
Escrever é a sincronia dos nossos órgãos depois do desalinhamento energético, é um desabafo, o equilíbrio para uma certa sanidade, é loucura controlada, é resposta para o cepticismo, é todo um ansiolítico, controlo, o embalo de rede num fim de tarde...
perdão depois do limbo de uma auto-punição, é um agradecimento que damos a nós, quando os outros - sempre os outros - nos esfaqueiam com vorazes bocas, cortantes dentes ensanguentados, sinónimo de uma justiça contagiosa, ah, se escrever é libertar angústias estaremos sempre um pouco limitados, quedos, mudos, ensurdecidos (e aquele eco que ainda reverbera) num cárcere tamanho que é a língua. Essa sombra muda a esgueirar-se da cabeça...
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