vanessa rodrigues |
1. Líquido amniótico, saber nadar, antes do parto
Não sei por que razão assim é, mas quando a palavra pop me vem à memória lembro-me de imediato daquela imagem-poster estilizada do filme de Stanley Kubrick: Laranja Mecânica. Talvez porque certa vez tive uma t-shirt com esse desenho: os dentes do que será o mecanismo interno de um relógio muito recortado, que serve de imagem alusiva para pestanas ao redor de um olho, insinuando-se como uma espiral hipnotizante; o perfil de um chapéu de coco, a suíça prolongada, aquele laranja-inflamado-a-querer-ser-fucsia. E o rosa-eléctrico é toda uma palete de cores no meu mundo. E na minha prosa. E há demasiado pop na minha vida. Pelo menos no vagar de alguns dias.
Era povo com fartura para mim naquele museu. Um objector de consciência haveria de ter um qualquer efeito magnético em mim, quais pinças abrindo as persianas do olho, como numa lavagem cerebral de Kubrick, e com risco de ficar com o olhar rasgado como ela, a mulher aflita, no “Cão Andaluz” de Luís Buñuel.
Entramos no MomA para logo percebermos ser o museu mais popular de Nova-Iorque porque, com certeza, um terço da cidade mergulhou ali e prometia nadar por bastante tempo na piscina artística. Era toda uma área olímpica. E haveria de nadar muitos metros para cima e para baixo. E comecei com aquele formigueiro; como cãibra para os desavisados, a quem carece magnésio.
Uma espécie de agorafobia a multidões. Para o bem e para o mal, ou para além do bem e do mal, eu niilista, ali, me confessei baixinho, embora dominada por um sentimento de economia de direcção central: a cultura é para o povo, somos povo, popular, e sexta-feira é free-day no MomA. O Vaza não hesitou. O Victor já ia acelerado para o jardim. E a Vanessa estava no efeito osmose. Um quarto vê: Vamos!
Uma espécie de agorafobia a multidões. Para o bem e para o mal, ou para além do bem e do mal, eu niilista, ali, me confessei baixinho, embora dominada por um sentimento de economia de direcção central: a cultura é para o povo, somos povo, popular, e sexta-feira é free-day no MomA. O Vaza não hesitou. O Victor já ia acelerado para o jardim. E a Vanessa estava no efeito osmose. Um quarto vê: Vamos!
2. Útero
Separados para o parto: ver a arte acontecer, ou ser uma espécie de acontecimento artístico, em dose individual e intransmissível. Aquilo do pop levado a sério – povo às dezenas em unidades estridentes - era tudo uma instalação humana, em efeito multiplicador: a arte da reprodutibilidade técnica somos nós (salvé oh Benjamim!), desordeiros em museus para comer o que se legitima como Arte. Comer com os olhos, com as mãos, com a inveja, o egoísmo e fome de registo. Porque o que realmente vemos é a fome dos outros em serem arte: uma foto com um Pablo Picasso, uma foto com Dali, uma foto com Eliot Erwitt, com Man Ray, uma foto com...
Nem melhor, nem pior com os outros, mas o meu formigueiro continuava e eu tinha começado com o silêncio de Kathryn Bigelow, como espécie de placebo, longe de saber a retumbante coça que eu levaria dos pisos de cima. Seria como ter subido as escadas para a prancha e, uma vez lá em cima, não saber que salto fazer, muito embora a espera fosse longa para ver o fundo da piscina. E logo eu que tenho vertigens.
3. Contracções
Na sala da cave não estava ninguém e era avisado: no photographs, ao mesmo tempo que este néon nos agarra: Godspeed. À entrada da sala da senhora-toda-provocação que é a Bigelow (top 100 da Time o ano passado). Foi então que percebi que deus é lento, se existir. E também ela, a artista-realizadora, teve fome de arte para se inspirar para os filmes. Até que vem isto a legitimar deus: “touched by the hand of god” (1987) – o videoclip que ela realizou para os New Order, a banda inglesa que formou nova ordem depois dos Joy Division.
Pronta para me separar de Bigelow, fui escada acima, rolante, ver a galeria de fotografias e foi aí que começaram as picadas crónicas e a certeza de que se prolongasse a dor teria uma contracção espontânea: que a avaliar pelo público ao redor, seria tomada como uma performance neurótico-experimental- com influência do teatro de Sara Kane, agarrando o inusitado, com lascivos traços de Teatro do Oprimido. Achei melhor conter-me e sosseguei.
4. Dar à luz
Como o formigueiro não parasse, parei eu. Uma hora ainda para o encontro a três-missão-cumprida e eu meio-contrariada. Livraria; uma ciranda a solo; e um café que desisti quando olhei para a tabela de preços, como se um expresso, o próprio, fosse obra artística pelo qual teria de pagar o quádruplo do preço comum e foi tudo escada abaixo até aos sofás da entrada. Com sorte, ainda fui capaz de ouvir pérolas intelectuais, para as quais eu não tenho a mínima formação académica para entender, e nem com manual de instruções lá iria. Mas deve ser gente peixe-grande. Intelectuais de primeira, dignos de uma TED-Conference.
- What do you think about this picture?
- Oh quite good, don't you think, one of my favourites, despite the fact he was better with nudes of thin girls.
- Yes this one is quite fat, indeed. But I believe the light...
- Yes the light. Oh! the light.
- And this one?
- Oh quite good. This is very good.
- Oh yeah. You like it?
- Yes this light.
- Oh, yes the light. Exquisite! And the shadows.
- Oh no, I'm talking about the picture I took of the picture.
- Oh yes, the light. Good.
Já de tal forma iluminada, achei que era o suficiente para que o meu formigueiro chegasse ao fundo do tunel. E lá fui, escada abaixo, enlightened.
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