“Sou um dissidente da verdade. Não creio na ideia de discurso de verdade, de uma realidade única e inquestionável. Desenvolvo uma teoria irónica que tem por fim formular hipóteses. Estas podem ajudar a revelar aspectos impensáveis. Procuro reflectir por caminhos oblíquos. Lanço mão de fragmentos, não de textos unificados por uma lógica rigorosa. Nesse raciocínio, o paradoxo é mais importante que o discurso linear. Para simplificar, examino a vida que acontece no momento, como um fotógrafo. Aliás, sou um fotógrafo”
Jean Baudrillard
“Universos Paralelos” estava talhado ao esquecimento. Ali, mesmo, naquela cave. Naquele baú antigo; abolorecido. Remexido de poeira e ruídos de roedores, ansiosos. Cheiro a mofo; humidades. Um recanto de silêncios onde descansava; na familiaridade de outras películas; 8mm. Já não roda na casa que lhe dá vida: o projector há muito o esqueceu.
Ele (eu ou nós – porque todos remexemos em memórias insólitas esquecidas: paradoxos, obliquidades) abriu aquela caixa apodrecida. Desembaraçou as dezenas de películas amadoras. Degradadas, esbatidas, demitidas das cores originais. Não tinham autoria. O tempo encarregou-se do esquecimento.
Havia a fresta na janela; a luz entrava. Ele pegou na película. Exibiu-a à luz.
Fotograma a fotograma viu uma história (?). Não sabia se encenação; se realidade. Onde; como?; quem? Só via a corrosão e a predominância química do ciano e do magenta.
Ao ritmo desse desgaste ele via o enredo. Fictício? Real? Cada vez mais desconcertado, ele absorvia o argumento. A interpretação fluía livre; sem vícios. Tudo era insólito. A ordem estabelecida estava, ali, desafiada. Não entendia. O mundo parecia ter a sua dicotomia; uma espécie de analogia que não estava, de imediato, ao seu alcance. Mas aquela pedra lançada, muito revelava. Afinal, o que ele entendia é que um outro lado estava ali espelhado. E queria desafiar o mundo a conhecer-se a si próprio, naquele próprio paradoxo. Sem hesitar – e temer a degradação do filme – ele arriscou e ampliou os fotogramas daquela aventura. “Universos paralelos” seriam revisitados. Não mais destinados à omissão daquela verdade...
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