“Escrever
é a nudez absoluta, é o escritor entrar na própria pele para
dilacerá-la, viver a vida dos outros como sua, chorar, angustiar,
humilhar e ofender, um crime e castigo, abismo, absolvição,
terapia, bisturi trémulo à volta do corpo, ser pulha e gangster,
falhado e vitorioso, orgulho e preconceito, fundamentação da
metafísica dos costumes. Escrever é perscrutar o escuro endógeno
para a lucidez das palavras, uma caverna infinita com fio-miragem de
luz, um sufoco, ardência, arritmia, densa penumbra no horizonte de
um mar revolto, solidão de farol, eco de montanha, gota na imensidão
da selva, ulo silencioso que brama dos confins da terra, antítese da
lógica nos primórdios da civilização, cordilheira de
intransponível morfologia.”
É Lis quem escreve tudo isto. Foi
sugada para uma ilha deserta com escritores, depois de “A revolta
dos livros”, o mês passado. Trabalha como antropóloga diligente,
enganando a Eternidade. Não sei como as missivas chegam até mim.
Escrever tem mistérios profundos que a própria tecnologia
desconhece.
Ela observa e percebe a verdade dos
grandes escritores como homens nus, ao mesmo tempo que habitantes de
planetas personalizados - onde a linguagem se confunde-, mas
subjugados à impotência, quando percebem que nada inventam a não
ser a capacidade de ludibriar uma geração que não tem memória,
incapaz de estar ciente de todos os truques e artimanhas já usadas
por escritores. José Saramago, por exemplo, é o ilusionista das
utopias: os seus mundos não existem e são toda a geografia da
verdade que temos ao nosso redor. Lis percebeu-o: os escritores são
pornógrafos de ficções, um veneno, enganando-nos com as verdades
que não queremos ver. Escrever é toda a escatologia do mundo.
Leitores, sois seres explorados pelas neuroses dos escritores, seres
perigosos.
Crónica
de Vanessa Rodrigues, publicada a 30 de Agosto 2013, na pág. Bairro dos
Livros, iniciativa Culture Print, no Semanário Grande Porto, em
alternância com Rui Manuel Amaral, Rui Lage e Jorge Palinhos.
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