O António nunca a vê. Mas eu sim. Aparece sempre aprumada, adivinho até que cheirosa, com a sua água-de-colónia de alfazema que há anos se dilui nas roupas, nesses tecidos que outrora duravam gerações, como as roupas da minha avó, sempre impecáveis, sem manchas, borboto, ou desgaste de malhas. Não entendo. As roupas antigamente duravam mais. Eram para uma vida inteira. Como os trabalhos, as uniões e as casas. Deve ser o caso da casa da vizinha da frente. Rega as sardinheiras, as vermelhas, as cor-de rosa e as cor-de-vinho. Rega-as depois de varrer a varanda. Mas sempre que chamo o António para provar que a vizinha da frente existe, que não é fruto da minha imaginação lírica, literária, ou infantil, ela trata de desaparecer. Sinto um vazio. Sinto que a senhora me trai, esfumando-se. E penso que talvez ela seja mesmo imaginação de um conto que recrio diariamente. E ele diz-me que tem razão, que a vizinha não existe. Que já existiu, porém, mas que agora deve viver num lar, onde faz tricô.
Hoje vi-a a abrir a porta, a receber uma amiga. Falou com ela demoradamente, depois subiu e foi varrer a varanda, regar as sardinheiras, com aquela roupa sempre impecável e o cabelo de cabeleireiro: aquele cabelo grisalho violáceo, seguro por uma laca muito espessa que nem o vento consegue desfazer. Vi-a e pude jurar que me acenou. Claro que ninguém me acreditou.
Hoje vi-a a abrir a porta, a receber uma amiga. Falou com ela demoradamente, depois subiu e foi varrer a varanda, regar as sardinheiras, com aquela roupa sempre impecável e o cabelo de cabeleireiro: aquele cabelo grisalho violáceo, seguro por uma laca muito espessa que nem o vento consegue desfazer. Vi-a e pude jurar que me acenou. Claro que ninguém me acreditou.
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