Não sei muito bem medir o que é a normalidade. Há pessoas normais que me parecem desequilibradas, há desequilibrados que não poderiam ser mais equilibrados que os normais. O medidor de normalidade é, pois, uma coisa relativa e dentro das nossas cabeças. E, no fundo, uma palavra vazia, que não significa rigorosamente nada. Ou quem sabe algo parecido com território neutro. Talvez a normalidade seja o grau zero da linha do Equador. Talvez seja o mesmo efeito de beber uma geladinha em dias de sol tropical. Ahhhh, mais que nada!!!!
Em todo o caso, a normalidade deve ser coisa de romanos que inventaram o vinho para que pudéssemos tornarmo-nos um pouco mais interessantes aos outros (e julgo ter sido o escritor brasileiro Juva Batella que o disse, no final de um jantar, este ano, no Correntes de Escritas, na Póvoa de Varzim).
- Bebo para tornar os outros mais interessantes!
Sem vinho, sem qualquer efeito psicoativo (agora já não posso atestar que não possa, ainda, estar, e ter estado, sob o efeito dos psicotrópicos- psicologia dos trópicos, estão a ver? - e com a linha do Equador ali tão perto do Ilhéu das Rolas a marcar zero graus; e zero graus há-de ser território neutro, momento em que a vida pode ter ficado um pouco em suspenso) A. disse-me que, o segredo para vivermos melhor, quando seguros de nós, é sabermos trabalhar "o personagem".
O outro, aquele, mais agradável, aprazível, bem-aventurado, em nós. Não estou certa que o tenha, mas acredito que os raios de sol que sempre hão em mim, podem ter que ver com esse ser mais iluminado, talvez, que habita nestas estranhas, vísceras, sinapses, neurónios e afins (se o encontrasse cobrar-lhe-ia renda, condomínio e extras pelo uso deste corpinho).
Mas o caso ganhou devidas proporções, com um certo proclamar "Eureka"Arquemidiano a sair-me como fumaça da panela de pressão do meu cérebro, quando ontem numa aula de Literatura Brasileira, Joana Matos Frias relembrou duas histórias sobre Fernando Pessoa:
1. Certa vez, José Régio, que admirava e era editor de Fernando Pessoa, pediu-lhe, numa das inúmeras cartas que trocaram, para se encontrarem pessoalmente. Quando chegou foi Álvaro de Campos que o recebeu. Todo o tempo foi Álvaro de Campos quem esteve com Régio. O escritor saiu furioso do encontro e nunca mais voltou a falar de Pessoa e dos seus livros da mesma forma;
2. Na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, descansam documentos Pessoanos, entre os quais diários, onde se podem ler descrições "perturbadoras", J.M.F. dixit, sobre o autor. Em várias passagens, Pessoa escreveu que Álvaro de Campos e outros heterónimos o visitaram: beberam com ele, falaram-lhe de política...
Esotérico e amante do ocultismo, Pessoa, foi também tradutor. Isto a propósito de uma conversa que tive certa vez com o músico brasileiro Tom Zé:
- Pessoa traduziu Helena Blavatsky [a escritora e teóloga russa do século XIX]. Deve ter sido uma coisa incrível: imagina o que Pessoa terá pensado e visto a traduzir "A Voz do Silêncio". Imagina: ele deve ter pirado com essa coisa. Que incrível! A que mundo ele terá andado? Será que seus personagens não vieram daí? Será?
Eu não sei em que mundos ele terá andado para tamanha despersonalização; se o ópio lhe terá virado a cachimónia, se Blavatsky lhe deu a volta ao miolo e por aí vai, proporcionando-lhe alguma iluminação e apetência à para-normalidade, sob e sem efeitos de nada, apenas que era um genial homem solitário, muitas vezes de mal com a vida, e cuja obra eu amo e admiro. Ainda assim, tendo em conta estes parâmetros, estou certa que a minha iluminação interior tem muito pouco de esotérico e genial e é mais uma declaração de amor pela vida, por mais pesadinha que ela tente ser, às vezes.
Talvez por isso prefira ser, então, a categoria de normal a genial no seu labirinto de solidão, como um bicho que gosta de geladinhas, vinho, dos outros de quem gosto e me fazem bem, de preferência com personagens aprazíveis para agregar muita coisa à minha. A ver se ainda fazemos um campus, vá, uma residência universitária das personagens dos outros.
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