Eu bem avisei. Havia um barulho estranho vindo da chaminé, qual capela Sistina e sua acústica. Aquilo era um barulho localizado, oco, encafuado, como numa caverna, mas eu nem sequer vi sombras platónicas, que me ajudassem a formar um arquétipo da mais pequena pálida ideia do que ali andava.
O pai natal não poderia ser, era demasiado tarde; ou demasiado cedo, quem sabe - não tarda nada e 25 de dezembro está aí, de novo. Passou sábado, veio domingo, segunda já se foi, terça passada e quarta o estranho caso (não sei se Angélica seria o nome da criatura) do som ganhou proporção: as cinzas começaram a mexer-se da lareira. Era um barulho roliço (se é que há barulhos assim), como quem espalha-brasas; areia revolvida e um arrulho, agora, mais persistente.
Eis que vi, então, mui nobiliárquica pomba a mirar-me, por trás da grelha da lareira, como quem, sem pedir licença, me interroga imperativamente, como sai dali. Obedeço ao olhar líder e fecho as portas da sala, não vá a senhora pomba enganar-se, assustada, e explorar a casa sem encontrar a sinalética respectiva que lhe indique "saída de emergência", ou algo parecido, embora parentes da casa afirmem, categoricamente, que já há alguns anos este lar faz parte da rota das pombas.
Fechadas as portas, abrem-se janelas como escape a fingir saída de emergência. Tira-se a grelha da fogueira, já a ver cinzas, e logo um sonante e precipitado bater de asas assustado ajuda no voo que a leve, de novo, para a liberdade.
Não era branca. Era de um cinza banal, azulado, mas hei-de ter pensado, com certeza, que o ideal seria ter trocado de lugar com ela (aqui percebemos a inutilidade prática da ficção científica) e, também, poder ir por aí, sem dias contados, levantar voo, num ensaio ilusório de uma certa liberdade.
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