De ar esbugalhado, roupas decadentes, cheiro azedo e rosto enegrecido do ar saturado, ele passa, todos os dias, no meu caminho. (Pretensiosismo meu em o dizer. Ainda agora cheguei. Talvez seja eu quem passe no dele). As mãos parecem velhos trapos desfiados, com relevos cunhados por um tempo prematuro que passou antes de dever. Luas demasiado contempladas. Estrelas demasiado gastas pelo olhar, com o céu como tecto. Pequenas lâmpadas acesas que só se apagam com a cortina de luz que sobe, em passos lentos, com um olhar solar. Sempre que passa, pelos passeios imundos, de cor ferrugem e oleados pela sujidade, fala em voz alta, palavras fechadas. De desentendimento. Desabafos de um mundo próprio. Que ninguém inveja. Degradante. Triste. Revoltante, também. Mas estupidamente urbano e que fazem do dia-a-dia uma parvoíce de vergonha, mutilada pela vaidade. Quem passa tem medo. Receio de imundice. Ataque súbito, calejado de provocação. Não se sabe o que ele diz. Nem quem é. Mas apenas que passa ali, todos os dias de manhã, tal como qualquer um de nós, rumo ao trabalho. Rumo ao trajecto de um dia imposto. Talvez vergonha dele seja o sentimento. Misto de culpa e de nada.
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