Tenho
travado uma luta densamente paradoxal desde que cheguei à Jordânia.
Nada de grave. Eu explico: uma peleja entre a vontade de escrever
algo que se aproveite e a letargia imposta pelo peso que o ar do
deserto, o calor e o oxigénio rarefeito, filtrado pelos grãos de
areia imperceptíveis que o vento traz. Essa apatia, inércia
involuntária, entranha-se de tal forma como plasmas na pele que
mexermo-nos, pensar ou criar parecem tarefas hercúleas tão
contrárias à minha habitual hiperatividade. Eu juro que bem ouço o
tico e teco a discutir e tenho tentado várias estratégias que
contrariem e submetam a aridez ao seu lugar somente de condição
ambiental. Vitaminas, água q.b., suminhos de maçã, fruta
energética, café, chá preto, ventoínhas, banhos de água fria
pela manhã. Enfim, debalde. Não choveu desde que cá cheguei, às
vezes falta água em casa e é preciso chamar homens que dizem que
chegam às sete da noite e aparecem às dez. Apercebo-me, pouco a
pouco, como areia fina da ampulheta, que dias assim sugam energia
vital para criar. Sou uma rapariga dos trópicos latino-americanos,
do Atlântico, das Amazónias, a tentar entranhar-me no deserto. Mas
não está fácil. É como vivermos um sonho, acordados, do qual não
despertamos. Sabem aquela sensação de estarmos a sonhar e de termos
que acordar, tentando abrir os olhos, mas as pinças das pestanas
parece que se agarram, coladas. É mais ou menos isso!
Mas
atenção, não que se viva numa apatia por aqui, pelo contrário, o
tempo de trabalho nestas coordenadas geográficas, escasseia, buliço
de tarefas que se intercalam. A luta que travo é categoricamente
essa: a de o corpo emitir lentos movimentos biológicos,
neuro-biológicos, quando a vontade da alma (aquilo que se transpõe
à motivação, que vai além do entusiasmo, que emana de nós) é
outra e a agenda se carrega de tarefas que não cessam nunca, numa
reinvenção habitual de pequenos mundos onde a letargia do deserto
não cabe não senhora. Tiranices, ou um complô orquestrado pelo
complexo do deserto.
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