Aquela linha ali ao fundo, nem mar, nem céu, um meio, é o horizonte. Primeira lição: podemos alargá-lo, fazer dele futuro, ontem, fazê-lo um longo hoje, expandi-lo, ver-lhe as cores que tem e quanto há nele de verticalidade, a diagonal, virá-lo de cabeça para baixo e vice-versa, esquecê-lo, e perceber, afinal, que por isso, ele não tem nada de horizontal. É uma linha invisível, da nossa cabeça, não existe.
Com sorte, terá pôr-do-sol, far-nos-á querer tocá-lo, apalpar a densidade da sua transparente existência e que tanto nos está no imaginário colectivo. Ter horizonte. E ter horizonte é arregaçar mangas e enfrentar a vida olhos nos olhos, ou o quer que isso signifique.
Segunda lição: os olhos têm horizonte. E é assim que lá chegamos pela lente de Steve McCurry.
Em 1992 o fotógrafo norte-americano mostrava o olhar da guerra no Afeganistão através de Sharbat Gula, a menina que destapou o rosto tenro, por momentos, para ser capa da National Geographic. Eram notícias de um certo Oriente. Mas é raro o Oriente entrar assim no Ocidente, a não ser para falar de intolerância e fundamentalismo. Só se dermos um salto à Aljazeera vemos que há mundo com outro horizonte daquele lado, com músicas do mundo. Aquele lado não é o nosso. Ensinam-nos que não é. E o contrário também há-de acontecer. Nós não conhecemos os horizontes do mundo.
Terceira lição: é pelo lado inverso do espelho que lá chegamos. E pelo olhar. Ziba tem esse mesmo olhar, mas não entrou no Ocidente. Esses mesmos olhos intensos, claros e afegãos. Tem outra guerra. Tinha. Acabou por perdê-la. Foi assassinado há uns meses em Kabul. O corpo foi esquartejado e entregue à família. Era travesti, dançava em festas. E, embora muito meninos, desde tenra idade, conforme testemunha o repórter Plàcid Garcia-Planas na revista digital Frontera D, sejam obrigados a vestir-se de meninas para dançar em festas, como cultura arraigada, matar um travesti no Afeganistão pode equivaler a ter um lugar reservado no céu. E num país que é ground zero, matar um travesti é um efeito colateral sem importância.
Quarta lição: o jornalismo tem esta perversidade. Contamos histórias de pessoas em perigo. Estamos lá, sentimos-lhe o bafo e o apelo. Voltamos. Trazemos um pedaço da história, mesmo que o outro fique sem horizonte. Naquele momento fomos presente e futuro. E horizonte é esperança. E continuidade aqui é não ter para onde olhar, porque não há linha invisível, a não ser o fio ténue de vida.
Quinta lição: a linha do horizonte é demasiado oblíquia, como a chuva, para falarmos de verdades. Plutão planeta foi. Cogito ergo sum. Mas há esta verdade: não há água para flores no Afeganistão. E os afegãos adoram flores. Um povo rude a gostar de flores já é um horizonte.
2 comentários:
Olá!!!
Como está? Espero que bem!
Gostei da postagem, viu! Voltarei mais vezes com calma para conferir tudo!
Grande abraÇoOooO!!!!
Olá Joéliton, obrigada!!Passe sempre que quiser, a casa é sua! Forte abraço!!!:-)
Enviar um comentário