Se eles se encontrassem agora, certamente, teriam muito para dizer. Ou nada. Talvez! Depois de tanto tempo não sabiam, realmente, se haveria assim tanto para dizer.
Tantos frios nas mãos, frieiras no pensamento - dessas nunca curadas por vontade pessoal - angústias, reclamações, cobardias, tantas manhãs sem sol que fazem cabelos brancos, tantas insónias, tantos chilreares abafados em árvores recém-podadas, tantas mulheres, tantos homens, tantas angústias, problemas, contas, traições e nadas, dívidas, tantas certezas incertas e precipitações seguras, erros, filhos (haveria filhos?), casamentos desfeitos, divórcios, barrigas flácidas das noites de cerveja a ver futebol no sofá (ou a novela, ou o CSI, ou o House, ou da cerveja, apenas, a acompanhar com tremoços; e bolos porque uma delas estaria, certamente, carente, doces, muitos, e a cabal incapacidade de suar num ginásio para que não vissem o corpo que ela tem).
Haveria estrias, celulite, queixumes, horas em salões de cabeleireiro e a escolher a cor do verniz (ou a folhear as gordas da imprensa pink, baby!) sorrisos falsos, gastrites, filhos (tê-los-iam desejado?), promessas, juras, ilusões (teriam casado com a cara-metade na esperança de que se mudariam mutuamente, e aquele: “Gosto de ti como tu és” virara um: “Lá vens tu, outra vez, com essa merda!).
É, realmente se eles se encontrassem agora, os cinco, para recordar os bons velhos tempos do secundário, seria um confessionário de lamechices do que não fizeram, mas gostariam, do que não são, e um dia almejaram; do que meteram na vida na incapacidade de lidarem com eles próprios, ou com medo da solidão e de não terem filhos, como todos, e de não casarem, como todos, e de não terem ido para um resort na República Dominicana, como toda a gente faz; de não terem um plasma, como todos, de não terem mais uma série de inutilidades que o tempo esconde, antes que dêem por isso.
Se eles se encontrassem agora, imagino-os, certamente S. quebraria o gelo e diria algo como: “Acho que foram os tempos mais felizes da nossa vida.”; e H., que já pensara muitas vezes nisso começava a “acreditar que sim” e que se não fosse “a vaca da R." ele "não estaria endividado até aos 60 anos" (aquela casa de luxo tão fantástica na Foz, com vista para o mar, virara o inferno que o levou a más companhias como álcool e haxixe, que as putas, essas, é que estavam portanto em má companhia). J., calado e cabisbaixo, diria que, nessa altura, não tinham “nada” a que se pudesse chamar problemas”, e S. impertinentemente segura de si, como sempre, discordaria, dizendo que “tudo é contextual, tudo é demasiado contextual, não julguemos as coisas assim”.
T. que sempre implicara com S., numa paixoneta mal curada, como as frieiras do pensamento que temos, por vontade própria, e não gostaríamos, dir-lhe-ia alguma coisa como: “Não mudaste nada, continuas a mesma chata”. Ela, agora, madura, empresária de sucesso, habituada aos livros de liderança e a gestão de conflitos, estaria, portanto, ainda mais quezilenta, ardilosamente amarga e irónica, e seria implacável nas observações: “E, vocês, a desviarem o assunto para falarem de mim”. Rir-se-iam, muito, nervosos e incomodados. Talvez demasiado e por demasiado tempo, com medo de não encontrarem, depois, algum e outro tema de conversa.
Fizeram algumas pausas. Disseram que teve muita piada, sim senhor, foi fantástico, não tinham mudado nada. E foi só isso. Quando o riso, e o rescaldo do gracejar, saíram do ponto de rebuçado aceitável e se reduziram a cinza, fumaram. Foram fumando. E fumaram muito. Até ser cinza de novo. E voltarem aos dedos nervosos do maço de cigarros, um e mais um, o isqueiro, a chama, tudo com cautela medida para que o momento durasse, como se o acto de fumar fosse a solidariedade necessária para os manter unidos sem dizerem nada. Talvez se se encontrassem, agora, não teriam nada para dizer. Há coisas que mais vale ficarem quietas onde têm de estar, mesmo que a ganhar celulite, estrias, barrigas flácidas. Antes isso que o bolor das conversas ocas.
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