quinta-feira, janeiro 07, 2010
Regresso silencioso
O meu amigo N. Ferraz enviou-me, há pouco, um link com um texto do Paul Theroux, sobre uma viagem no "Expresso da Patagónia". Estava lá tudo. As gentes, os gestos, as percepções, as angústias, a leveza, a solidão, a ternura dos outros, a vida dos desconhecidos, na partilha de tanto; os sons, a percepção aguçada dos sentimentos que em nós vão fervilhando. Tudo isso, como se viajar fosse, apesar da experiência pessoal, uma grande festa universal, para os atentos que gostam de sentir, simplesmente. Antes de uma viagem ali, aonde for, ao redor de nada, de tudo, ou simplesmente do vento, viajar é uma viagem a nós, cá dentro, num carrossel autista. O que deitamos cá para fora, depois, é mais nosso e rico, do que a marca que deixámos num qualquer lugar que nunca mais se lembrará das nossas pegadas. Só que Theroux tocou no essencial, para mim, para me entender, para me alertar do perigo e da tirania dos regressos.
Voltar da Amazónia, das Amazónias, das viagens ao interior de mim e ao redor de um pedaço de mundo, foi a experiência mais dolorosa que até aqui tive. Tudo lá foi intenso, com momentos menos bons, mas de bela transformação. Só que o mais difícil, foi o regresso. Este regresso, a mim. Nada mais dilacerante do que o regresso. Foi duro, pesado, não pela minha urbanidade, pelo desejo de uma cama fofa, comida caseira, abraços quentinhos e carinhosos, mas porque já não era a mesma Vanessa que foi. Sabia-o, claro. Queria-o, tanto. Mas voltei profundamente silenciosa, inadaptada, recolhida, confusa com tudo ao redor: os barulhos, as pessoas, a urbanidade, as conversas que me irritavam de tão superficiais, desnecessárias e vazias. Para mim, que estava sensível, como se tudo fosse uma imensa primeira vez, carcomia-me a respiração ofegante, ansiosa. Não queria estar, falar com ninguém. Voltei, sim, profundamente silenciosa, em apneia voluntária dos pensamentos, como se mais nada importasse. Voltei num estado que não o sou, triste, acabrunhada e revoltada com a intensidade da mudança que não percebia, ou percebo bem em quê. Viajar é uma desaparição. E, viajar assim, é viver demasiados anos, em poucos meses. É escrever rugas e cabelos brancos com itinerâncias e histórias de vida, que se tornam a nossa. É ir até ao esquecimento. Ir até à importância dos olhos virgens dali, e voltar com sentido, com os olhos cansados, de tanto (vi)ver...
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