Fabiano não tem estudos para pôr as palavras no justo lugar. Para explicar que não foi ele que roubou. Que foi o outro. Mas o outro tem mais estudos. Saber-se-á defender, pondo o discurso no lugar certo, com a entoação devida, adornar a retórica do balofo exímio que a arte de dizer muito sem nada dizer pode ter. As cadências. As pausas. Fabiano não tem como fazê-lo. E o corpo não fala por si. Devia falar. Nunca lemos as palavras que o corpo quer dizer sem nada falar, mesmo estando tudo lá, servindo, aliás, de paradoxo certo para carimbar os homens carcomidos pelas agruras de se respirar de maneira diferente os fôlegos. Esses mesmos que o berço pobre já talha como certos à miséria. Mesmo as mãos calejadas, a roupa rota, desfiada, as rugas rudes, vincadas de sol a esgravatar derme.
Nem os sapatos abertos, empoeirados de terra seca que deviam falar por si a fome que passa. Boca seca, alimentada a roedores. Só pensa na sua sinhá, nos filhos nus, nas raízes estaladiças ao lume, nas preás caçadas pela cadela, ainda a pingar de sangue na boca animal e na égua que poderá, ainda montar, no meio da catinga. Pensa em como contará a mulher que não foi ele a desferir o golpe naquele homem. Atrás das grades um homem não consegue pensar nas palavras certas, mesmo que elas pairem. Não se consegue aprisioná-las.
Como ele pensa em Sinhá, com seu cachimbo preso aos dentes, sorvendo o trago amargo do tabaco de má qualidade, que é prazer de fim de tarde, no alpendre da casa velha, sem dono, e que preparou para se aquecer nas frias noites do sertão. O mesmo que é calor-assassino quando a luz vem. Fabiano atrapalha-se nas palavras que há-de dizer, pois todas lhe parecem um dizer de mentira. E dizer de mentira não convence ninguém, ainda que seja a verdade. E a verdade, sabemos, não tem peso de justiça, se não for posta com as palavras certas.
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