texto e foto|vanessa rodrigues
Vocês já devem ter visto a Lis por aí.
Não há viela, fins de rua, travessas e fechaduras portuenses que não conheça.
Expedita,
gosta de meter conversa, de observar. De ver as rugas das casas, a
derme das gírias, de ouvir a cidade a palpitar. Às vezes acho que tem um
kit especial de ouvir cidades. Medidores secretos, sensíveis à luz, aos sussurros, aos segredos. Vê, sente, ouve o que nunca conseguiríamos. Ouve-lhe … os humores, sente-a.... respirar.
Quando
a conheci falou-me da paixão por máquinas de escrever, essas que o
senhor Álvaro Altino recupera e leva à feira da Praça Carlos Alberto.
Este cirurgião do bisturi dos datilógrafos diz
que não há máquina que perca a vida. Metáfora intemporal: dá um certo
conforto saber que perdemos e ganhamos dias, mas que com ele as letras,
património de línguas e dialetos, têm sempre um futuro para contar. Como
a poesia. Esse lirismo que está nos homens, em nós. Os nós que nos
agarram ao Amor pelas palavras.
Lis
é verbo ser. Senta-se muito em cafés, escrevinhando futuros romances e
poesia; folheando prosas. Gosta de Primaveras para ler nos Jardins do
Palácio de Cristal. Ouve poemas em vinil. É uma balzaquiana de telemóvel
da moda para fazer fotografias vintage, tomar notas e, também (leiam baixinho) registar
os sons da cidade: as gaivotas, os sinos das igrejas a dobrar, o
cauteleiro, os passos a caminhar na calçada portuguesa. E as dobradiças a
ranger. É que a Lis não se contém: sobe escadas e elevadores de prédios
antigos. Anatomia curiosa. Se um dia for apanhada...
Caçadora
incorrigível, anda sempre pelo bairro à caça de histórias das gentes
inquilinas, farejando literaturas invisíveis. A última vez que a vi
fotografava do alto da Torre dos Clérigos os telhados da Vitória.
Disse-me que estava com pressa, que já não tinha tempo, que o fim da
prosa estava iminente. Garantiu
que voltaria. Não sou eu que a encontro. É ela que me encontra a mim.
Por isso, acho, vocês vão ver muitas vezes Lis por aí, alquimista de
carateres.
*Esta crónica foi publicada dia 6 de Fevereiro, no semanário Grande Porto, numa página exclusiva do projeto "Bairro dos Livros". As crónicas são alternadas entre Rui Manuel Amaral, Rui Laje, Vanessa Rodrigues e Jorge Palinhos. A próxima será do Palinhos, esta sexta-feira, 22. Ouça ainda a versão PODCAST.
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