prova de con.tacto [1]
texto|vanessa rodrigues fotografia|antónio morais
Uma
vez vi um homem de guarda-chuva a descer aquela rampa. Era noite,
chovia e a neblina que bafeja a fria penumbra de Inverno entranhava-se
nos ossos da câmara fotográfica, tua amante. Com ela suspensa ao ombro,
como sempre, detiveste-me. E eu congelei a imagem na minha mente -
enquanto tu congelavas a tua, erguendo a máquina, sustendo a respiração para disparar: o grão que a neblina faz, o baço da
humidade chuvosa a esfumar o amarelo da iluminação de rua, bafejada a vapor sódio, os prédios
carregados de cinzento, tempo denso e a silhueta negra do homem que
descia a viela.
Posso imaginar-me a retirar das gavetas neurológicas a
memória desse frame congelado. Uma imagem revelada a química mental, sem
ardor e sensação física de olhá-la num ecrã, ou na mão.
Agora
que a lembro parece um sonho remoto, ou uma pintura. (Os sonhos, às
vezes, parecem pinturas). Dessas com desenhos e sombras esbatidas a
esfuminho. Belas.
Vejo a viela da Alegria, porque se cruza com a rua com
esse nome, e cujo nome não o sei. Pediste-me que a subisse e descesse.
Que abrisse o guarda-chuva e, naquele ângulo certo, imortalizaste a
viela em mim. Um frame cinematográfico que desfia outros tempos. O homem
foi apenas a inspiração. A mulher que olha e se detém é um espelho de
tempo repetido. Talvez o que vimos não fosse um homem, porque as cores do real logo cederam à textura dos negros. Transformaram-se. Alquimia dos frames. Adormeci ou acordei? Conta-nos o segredo: como consegues caçar a pintura dos sonhos?
*prova de contacto é uma rubrica exclusiva do blogue crónica luna samba de vanessa rodrigues (textos) e antónio morais (fotografia).
Sem comentários:
Enviar um comentário