terça-feira, maio 15, 2012

Paixão, o entorpecente, double shot



A paixão é uma equação curiosa e rasteiramente invariável. Apesar de o nome ser o mesmo, no célere rastilho de seus sintomas, ela é sempre uma outra coisa, variando desta para aquela pessoa, deste para aquele cara, de olho em olho, de boca em boca, de mão-dada-em-mão-dada, de colo-em-colo. 

Decidi, por isso, há alguns anos dedicar-me ao tema e andei por aí, me apaixonando em overdoses. Esse era o limite. Quando viesse o resto, o termómetro dispararia. (Ainda não tinha o telemóvel da moda, senão, em vez disso, teria colocado um lembrete com alarme double-shot, de 5 em 5 minutos). 

Só tendo um significativo universo amostral poderia, pois, inferir sobre, concluir, tirar as devidas ilações, tendo-me como único mas excelso membro honorário do júri. O veredicto (além de servir para desiludir o universo feminino: não, miúdas, eles não são todos iguais) é o de toda uma ciência onde entram exarcebadamente vários processos químicos, sem idade, e onde a equação inicial: corpo-a-corpo é mutante, para resultados díspares.
Agora, sabemos, há um pré-operatório essencial nesta orgânica, para que quando estivermos no processo da cirurgia, a revirarem-nos todas as vísceras, não nos doam as pancadas das loucuras que cometemos, como, e para ser bem eufémica: passar noites em branco. 

Nesta sondagem in loco, um inquérito corporal, de degustação evidente, apercebi-me de que é um entorpecente poderoso, capaz de pôr o mundo em silêncio ao redor, girando, enquanto o psicoactivo faz efeito e todos nos chamariam de tontinhos, resolver conflitos israelo-palestianos, diferendos religiosos, disputas domésticas. Somos astronautas, exploradores e nómadas, funâmbulos, pássaros livres sob alto mar. Somos tudo e temos o mundo aos nossos pés. Somos capazes, inclusive, da proeza de enganar o tempo. Sob este entorpecente contínuo a indústria relojoeira, parece, entraria em colapso. 
Além do mais, vencendo este exercício continuamente, como não haveria tempo para guerras e intrigas, porque todos estariam, esses ocupados torpes, concentrados na velocidade do beijo, no tratado da biologia das mãos, a fundamentação da metafísica do corpo e a temperatura a que ardemos por dentro, o mundo seria um lugar altamente recomendável para ficar toda uma eternidade. Só não sei se haveria espaço para todos.    

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