quarta-feira, abril 04, 2012

A vida em fracções de segundo



É tudo muito rápido, superlativo de veloz e posso afirmar, sem dramatismos, que vivemos a vida num buraco quântico e que tudo o que agora é, poderia, por essa mesmíssima fracção de segundo, nunca mais o ser. Somos e já não somos. Desaparecemos. Vivemos a vida que nos resta, nestas circunstâncias que se seguem, em fracções de segundo. E viver a vida em fracções de segundo, em alta velocidade, é não ter tempo para pensar em mais nada a não ser nisto: morro. Pela primeira vez, vivi a vida do que me poderia restar em nanosegundos. 

Não há luz no fundo do túnel, não há flashback, não pensamos em ninguém, em coisa nenhuma a não ser um vazio preenchido por fracções de tempo do que está acontecer. E o que acontece é uma morte anunciada, o fim do corpo, o fim de tudo, o fim do nada. Já o disse, foi tudo muito célere, enquanto dançava a valsa de um desastre, para voltar. Houve pancada forte na cabeça, no corpo, e um breve e célere desfoque de tudo e depois um negro fundo de apagão real (mas não neurológico) e as faíscas vivas, metálicas, dos rails da estrada a roçar no carro. A mota com sidecar atravessou-se. O meu tio conseguiu guinar à esquerda, terceira faixa, sem ter tempo para perceber se outro carro vinha de ultrapassagem; conseguiu segurar o carro, nunca travou a fundo, nunca reduziu e tomou o controlo depois da elevação da retaguarda que me projectou para o lado direito. 

Sim, depois chorei muito, com a adrenalina a correr pelo corpo, tremendo ao limite do equilíbrio em pé, e sabia que a pancada na cabeça poderia ser grave; ordenei, dolorida, que tinha de ir ao hospital. Ao hospital. Ao hospital. Agarrei-me à cabeça, com as mãos quentes, às dores dilacerantes e agudas e respirei fundo. Respirei fundo, mas as lágrimas não me obedeciam. Ainda consegui pôr uma garrafa de água fria pela nuca abaixo. O raio-x tranquilizou. As dores persistem, mas isso é porque o corpo paga aquilo que a morte não levou, com a sorte de que não tinha agenda para mim, pois talvez estivesse a ouvir piano e ocupada com a paixão, como nas "Intermitências...." de Saramago.

Passadas as 48 horas não houve nem vómitos, nem náuseas, por isso foi só um susto, uma sorte, o que quer que seja, para apenas ir redescobrindo, nestes dias, hematomas e inchaços que desconhecia e um enorme galo na cabeça de ambos os lados. Se sobrevivi foi porque a carta roxa não era para mim e fico feliz por poder estar em dias de Primavera por aqui. 

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